Minha história com a psoríase começou cedo, logo aos 17 anos. Uma pequena lesão no couro cabeludo, como uma caspa insistente, foi o primeiro sinal de algo que nem imaginava existir nos idos de 1970.
Naquele tempo, o diagnóstico era como um soco no estômago: “É psoríase, não tem cura”, me disseram. A incredulidade deu lugar à revolta. Não entendia como algo tão trivial, como uma doença de pele, podia ser uma sentença definitiva.
Os anos seguintes foram um carrossel de médicos, tratamentos e frustrações. Acredito que muitos dos leitores que convivem com a doença devem ter passado por momentos semelhantes. Pomadas, cremes, corticoides, nada parecia funcionar para mim.
Meu desânimo aumentava à medida que as lesões se espalhavam. A angústia de conviver com um corpo que teimava em se cobrir de vermelho e branco me impunha um isolamento cruel em plena Fortaleza, minha cidade natal, ensolarada que só ela. Abri mão de idas à praia, de usar roupas curtas, de expor minha pele. A psoríase ditava as regras e eu, envergonhado, me submetia.
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A chegada da artrite psoriásica
Como se não bastasse a luta contra a psoríase, uma nova batalha se anunciava no final dos anos 1980: a artrite psoriásica. As dores articulares começaram sutis, daquelas que vão chegando aos poucos, mas logo se tornaram um martírio.
Meus dedos entortavam, as articulações dos pés inflamavam e cada movimento se transformava em um ato de resistência. A sensação era de que meu próprio corpo se voltava contra mim, me fazendo refém de uma nova camada de dor e limitação.
A incompreensão social da época só aumentava meu sofrimento. Consultas com reumatologistas se transformavam em frustrações, com diagnósticos imprecisos e tratamentos ineficazes. Olhares de espanto e medo de pessoas que me viam passar, achando que talvez pudesse ser portador de alguma doença contagiosa.
A artrite psoriásica, silenciosa e devastadora, continuava a deformar minhas articulações, roubando-me a mobilidade e a esperança.
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A volta por cima
Minha reviravolta começou na década de 1990. Ciência e grupos de apoio foram a combinação que me ajudou a encarar de frente essas doenças. Compartilhar minhas dores e angústias com pessoas que me compreendiam, que também lutavam contra a psoríase e a artrite psoriásica, foi libertador.
Descobri que não estava sozinho nessa. Hoje pode ser fácil achar outros pacientes na internet, mas naquela época o mundo era outro.
A troca de experiências, as informações sobre a doença e a força que um dava ao outro me fizeram perceber que era possível viver bem, mesmo com as marcas e as dores que carregava.
Em 1994, ano também do nosso tetracampeonato nos Estados Unidos, consegui pela primeira vez encontrar um tratamento médico que me desse esperanças mesmo. Em poucas semanas, minha pele se viu livre das lesões e, pela primeira vez em anos, experimentei alívio nas articulações. Era como renascer, sair de um casulo dentro do qual eu era pressionado!
A jornada continuou, com novos medicamentos, avanços e retrocessos. Enfrentei a uveíte, consequência das doenças que carregava, e dificuldades de acesso a tratamentos eficazes. A luta por direitos se tornou uma constante em minha vida.
Hoje, aos 65 anos, olho para trás e vejo como essa caminhada foi difícil. Ao mesmo tempo, reconheço a força que extraí de cada obstáculo, a perseverança em buscar alternativas e a importância de lutar por uma vida melhor.
A psoríase e a artrite psoriásica ainda fazem parte de mim, mas não me definem. É preciso quebrar o ciclo de preconceito e desinformação e mostrar que esses quadros não são contagiosos, têm tratamento e que, acima de tudo, os pacientes merecem respeito, dignidade e a chance de ter qualidade de vida.
Um passo importante para isso são as consultas públicas para a incorporação de novas opções terapêuticas para a psoríase e artrite psoriásica no SUS que estão abertas. É fundamental que pacientes, médicos e toda a sociedade se engajem nesse debate e lutem por uma saúde pública melhor.
Afinal, todos merecem viver bem, independentemente da cor da sua pele ou das dores que carreguem. Sei que minha pele sempre terá tons de vermelho e branco, mas que seja do Vermelho de Fafá de Belém, de alegria e festa.
*José Célio Peixoto Silveira é vice-presidente da Psoríase Brasil — Associação Brasileira de Psoríase, Artrite Psoriásica e de outras Doenças Crônicas de Pele
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