Desde os tempos da escola, aprendemos que os espermatozoides, juntamente com os óvulos, são essenciais para a geração da vida humana. Pelo visto, não é só isso.
Um novo estudo brasileiro identificou que o gameta masculino, em mamíferos, tem uma função não reprodutiva.
Os pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) observaram que espermatozoides infectados pelo coronavírus podem apresentar uma resposta imunológica semelhante ao mecanismo de defesa de células do sistema imune.
“Cada espermatozoide foi capaz de neutralizar milhares de vírus. No entanto, não sabemos se esta ação diminuiu os efeitos locais ou sistêmicos da doença”, afirma o médico urologista Jorge Hallak, coordenador do estudo e da Unidade de Toxicologia Reprodutiva do Departamento de Patologia da FMUSP.
Os achados foram publicados no periódico científico Andrology.
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Mecanismo de defesa
Os estudiosos analisaram amostras de sêmen de 13 pacientes com Covid-19 atendidos no Hospital das Clínicas da USP, em um período de até 90 dias após a alta e 110 dias após o diagnóstico.
A população avaliada tinha entre 21 e 50 anos e apresentou diferentes formas da doença, de quadros leves a graves. Ao todo, foi identificada a presença viral dentro do gameta masculino de 11 pacientes (84%).
O estudo descreve que os espermatozoides apresentaram uma resposta parecida à de um importante mecanismo de defesa celular dos neutrófilos, conhecidos popularmente como glóbulos brancos.
O processo envolve a liberação de armadilhas com efeitos antimicrobianos, que causam a morte do agente agressor. É como se fossem lançadas “teias” de material celular que envolvem e aprisionam o patógeno, neutralizando-o e impedindo seu poder destrutivo.
Além dos neutrófilos, essa capacidade havia sido descrita em diferentes tipos celulares do sistema imune, como macrófagos e eosinófilos, mas nunca antes em uma célula do sistema reprodutivo.
No caso dos espermatozoides, as armadilhas foram nomeadas no estudo como SETs-L (Spermatozoa Extracellular Traps-Like em inglês) e descritas como filamentos de DNA descondensado associados a partículas virais.
“Essa fantástica adaptação evolucionária pode remontar aos primórdios da transição dos vertebrados aquáticos para terrestres, quando as células tinham que exibir múltiplas funções pois ainda eram menos diferenciadas”, afirma Hallak.
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Impactos para a reprodução
As descobertas são fruto de um amplo estudo sobre os efeitos da Covid-19 no organismo, desenvolvido pela Faculdade de Medicina da USP nos últimos anos.
Os resultados recentes sugerem que os espermatozoides podem abrigar o vírus por um período prolongado, até mesmo acima dos 110 dias observados na análise.
Além disso, foram observadas diversas alterações funcionais nos espermatozoides e elevada taxa de dano ao DNA, que afetam a qualidade e a função dos gametas. Por isso, pode ser necessário aumentar a precaução em casos de homens que tiveram Covid-19 e desejam ter filhos.
Na concepção natural, as células reprodutivas infectadas pelo coronavírus teriam sua movimentação naturalmente prejudicada, reduzindo as chances de alcançar e fertilizar o óvulo.
Contudo, na fertilização in vitro, procedimento no qual o gameta é injetado diretamente no óvulo com uma microagulha, pode ser importante submeter o material à análise para a identificação do coronavírus, que pode influenciar nas taxas de sucesso, na qualidade embrionária e elevar a taxa de abortos.
Atualmente, o grupo de pesquisa da USP se empenha em estudos sobre os efeitos da Covid longa para o organismo. No contexto reprodutivo, os próximos passos incluem avaliações dos impactos da dengue.
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