Para o pequeno Caetano, de apenas 3 anos, os desafios da vida começaram cedo. A respiração, uma função básica e automática para a sobrevivência, se tornou um fardo antes mesmo que ele fosse capaz de pronunciar qualquer palavra. A jornada da criança, diagnosticada com asma, impôs uma nova rotina aos familiares.
“Tudo começou com a presença de muito catarro nas vias aéreas. Em 2021, no Dia das Mães, notei que ele estava muito molinho, a boca passou a ficar roxa e corremos para o pronto-socorro”, conta a progenitora, Ana Luísa Pereira, de Curitiba. Na ocasião, ele permaneceu internado em uma unidade de terapia intensiva (UTI) devido à baixa oxigenação no sangue, um dos efeitos da descompensação.
Com a assistência adequada, melhorou e pôde voltar para casa. Mas esse era só o primeiro capítulo da sua história com a asma, uma das doenças respiratórias mais comuns, com cerca de 20 milhões de afetados no Brasil, entre crianças, adultos e idosos.
A condição é caracterizada pela inflamação das vias aéreas, geralmente associada a mudanças bruscas de temperatura, exposição à poluição, contato com substâncias capazes de provocar alergias e até mesmo esforço físico. Contudo, as causas exatas que levam ao seu desenvolvimento não são completamente esclarecidas pela ciência.
Entre as hipóteses mais aceitas, está uma mistura de componentes genéticos e ambientais. Eles tornam o sistema respiratório hiper-reativo, o que pode desatar as temidas crises, quando os tubos dos pulmões se estreitam, dificultando a passagem de ar. Aí respirar vira realmente um sufoco.
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O número de hospitalizações em 2023 chegou a 83 mil, um índice alto e empurrado principalmente por falhas ao lidar com o controle do problema. A descompensação por trás das crises é consequência de uma combinação de erros, como a falta de adesão ao tratamento, o descuido no manejo dos gatilhos, o uso incorreto de medicações e a descontinuidade do seguimento médico.
A cada seis meses, a assessora de imprensa Ana Luísa leva o filho a consultas com o pneumologista, que acompanha a evolução de Caetano. Inicialmente, foi necessário implementar uma terapia diária com a utilização das populares “bombinhas”.
Resumidamente, esses dispositivos para inalação de medicamentos podem ser divididos em duas categorias. Linha central do tratamento, os corticoides atuam diretamente sobre a causa do problema, a inflamação dos brônquios, as estruturas que levam o ar para os pulmões. Já os broncodilatadores consistem em fármacos que ajudam a relaxar os músculos das vias aéreas, aliviando temporariamente os sintomas.
“Dependendo da gravidade, a inflamação pode ser contínua e mostrar uma piora durante as crises. E um dos grandes erros é deixar de fazer o tratamento da sua origem, priorizando apenas o cuidado dos sinais imediatos”, explica o alergista Pedro Giavina-Bianchi Júnior, do Departamento Científico de Asma da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai).
Um dos pilares na contenção da asma consiste em identificar e afastar os principais motivos que disparam as crises. Os agentes variam bastante de uma pessoa para outra (veja no quadro abaixo); por isso, é importante manter a observação atenta e contar com o suporte de um profissional.
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“Na verdade, asma é um termo guarda-chuva que abriga várias condições”, afirma o pneumologista Frederico Arrabal Fernandes, diretor da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT). “O tipo alérgico é aquele mais comum na criança, que geralmente tem rinite e outros sintomas respiratórios. No não alérgico, o indivíduo apresenta inflamação nas vias aéreas, mas sem histórico ou qualquer tipo de hipersensibilidade prévia”, continua o médico.
E a coisa pode se complicar. “Existem também outros tipos de asma, como a induzida por exercício, a gestacional ou a ocupacional”, detalha Fernandes. No caso do pequeno Caetano, a hereditariedade foi um ponto forte para o desenvolvimento da enfermidade. “Sou bem alérgica, tenho bastante rinite. E o meu marido também possui problemas respiratórios, já teve pneumonia algumas vezes e bronquite quando criança”, relata a mãe, Ana Luísa.
O ciclo da família se fecha na filha mais velha, de 15 anos, que também foi diagnosticada com asma, mas evoluiu sem sofrer tantas complicações.
Entre as principais ameaças que levam à perda do fôlego estão as características do ambiente, como a presença de poeira, mofo, ácaro e pelos de animais, que podem se espalhar pelo chão, pelas cobertas e os travesseiros.
É justamente sobre esse ponto que se concentra um dos lapsos mais comuns relacionados ao surgimento das famigeradas crises. Quando um asmático permanece próximo aos gatilhos que despertam a reação inflamatória pulmonar, os demais cuidados acabam se resumindo a uma sentença: enxugar gelo.
Para manter o fluxo livre, leve e solto, é preciso colocar a mão na massa e fazer algumas mudanças em casa e na rotina. Isso significa que nem toda residência poderá abrigar tapetes felpudos, longas cortinas ou aquela coleção de bichinhos de pelúcia.
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Importância do exercício físico no tratamento da asma
Um equívoco usual que pode contribuir para a exacerbação do quadro se baseia no antigo mito de que o indivíduo com asma deve evitar exercícios. Porém, o ideal é exatamente o oposto. “A atividade física é ótima para evitar crises e melhorar a capacidade de minimizar os efeitos decorrentes delas. Existe no inconsciente coletivo essa ideia de risco, mas é algo que não faz sentido”, enfatiza Fernandes.
Nesse contexto, vale qualquer modalidade para colocar o corpo em movimento, incluindo a natação. Os cuidados envolvem evitar práticas ao ar livre em dias mais frios e secos e principalmente se proteger de mudanças bruscas de temperatura.
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Além da inatividade, outro ponto de atenção é subestimar as próprias manifestações respiratórias. “Alguns pacientes se acostumam de tal maneira com o mal-estar que passam a entender aquela situação como um estado de normalidade. No entanto, não está tudo bem se houver chiado no peito, falta de ar ou tosse todos os dias”, avisa o pneumologista da SPPT. “São indícios de que é preciso ajustar o tratamento para buscar a reversão dos sintomas”, prossegue. E quanto antes!
Compreender a asma na sua mais dura essência pode ser difícil, uma vez que a medicina é clara: ainda não há cura. No entanto, o controle é possível e amplia significativamente a qualidade de vida.
“Trabalhamos com os pacientes o conceito de remissão. A ideia é tirar a doença de atividade”, afirma Bianchi Júnior. “Ao combater o processo inflamatório, a pessoa deixa de apresentar sintomas e passa a ter uma função pulmonar normal e sem os efeitos colaterais das medicações.”
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Dependência da bombinha
Não tem jeito, para chegar lá é preciso disciplina — regrinha que se aplica a praticamente toda doença crônica.
E esse foi o maior obstáculo para a publicitária Rachel Rossi, de 42 anos, do Rio de Janeiro. Diagnosticada aos 6 meses de idade, ela experimentou uma série de terapias ao longo da vida. Apesar dos esforços, a carioca relata sentir uma grande dificuldade em manter os cuidados nos trilhos.
“A minha dependência do broncodilatador acaba levando à descontinuidade dos demais tratamentos, que são contínuos e requerem rotina”, relata. “Eu começo, vou fazendo, mas, quando surge algum imprevisto, recorro direto à bombinha, que tem uma praticidade e um efeito imediato. Acho que virou costume”, desabafa Rachel.
A comunicadora não está sozinha. Esse é um tipo de relato bastante corriqueiro nos consultórios médicos. O uso excessivo de dispositivos contendo fármacos que apenas induzem o relaxamento da musculatura das estruturas pulmonares também integra o rol de equívocos cometidos por muitos pacientes. Só que, no longo prazo, o emprego desmedido dessa solução paliativa tende a ser perigoso.
“Pode ocorrer o remodelamento dos brônquios, que cicatrizam de uma maneira mais fechada, o que inviabiliza uma função pulmonar normal”, descreve o pneumologista José Eduardo Afonso Júnior, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Nesses casos, o paciente acaba vivenciando um quadro semelhante ao da bronquite crônica do fumante”, compara.
Embora tenham o propósito de trazer alívio imediato aos incômodos respiratórios, as bombinhas com esses medicamentos devem ser utilizadas com parcimônia.
“O problema de utilizar apenas o dispositivo sem corticoide para acabar com o desconforto é que a inflamação que está nos brônquios continuará lá e poderá, inclusive, piorar. O indivíduo passa a ter crises mais frequentes e intensas porque não está tratando a base da doença”, explica Fernandes.
Foi o que aconteceu com Rachel. Ela revela conviver frequentemente com os acessos da asma, que ocorrem até mesmo durante a madrugada. “Os motivos são diversos: poeira, ácaro, cheiro forte, mudança de tempo, ansiedade ou preocupação excessiva… Até atividade física intensa, como uma corrida ou treino de spinning, pode me deixar com falta de ar depois”, elenca a publicitária.
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Tiro pela culatra
De acordo com as diretrizes terapêuticas atuais, a recomendação é recorrer tanto a dispositivos que contenham broncodilatadores quanto corticoides, para mirar o sintoma e a causa em uma tacada só. Pena que não é o que acontece na prática em inúmeros lares.
Um estudo recém-publicado por universidades nacionais com dados das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do país, abarcando serviços públicos e privados, concluiu que apelar com frequência aos broncodilatadores aumenta o risco de descontrole e de exacerbações graves. Um tiro da medicação que sai pela culatra.
Fora isso, o manejo das bombinhas e aparelhos de inalação também pode impor dificuldades, especialmente a crianças e em situações de emergência. Nessas horas, para evitar erros, é útil contar com o apoio de um espaçador, uma peça de plástico com um bocal ou máscara. O manuseio correto deve fazer parte das orientações médicas, tanto no início do acompanhamento como ao longo das consultas periódicas — até porque dúvidas e ajustes no tratamento vão pintar.
Para a mãe de Caetano, esse aconselhamento foi essencial. “Hoje aprendemos a lidar com as situações mais graves. Quando começa a tosse, já entro com o protocolo de controle para superar a crise momentânea e logo em seguida com o corticoide. Não tivemos mais que recorrer ao pronto-atendimento e ficamos distantes da UTI”, declara, aliviada, Ana Luísa.
Para quem sofre com a asma de origem alérgica, uma saída é a imunoterapia. A ideia é ensinar, a partir de uma exposição controlada e seriada, o organismo a se acostumar com a substância que provoca a reação exagerada. “Só que é preciso uma adesão ao tratamento, que dura três anos. Uma vez encerrado, a tendência é que o indivíduo permaneça um tempo prolongado com a doença controlada”, esclarece Bianchi Júnior.
Nos casos mais graves, de base alérgica ou não, anticorpos monoclonais contribuem para bloquear a inflamação nos brônquios ao mesmo tempo que preservam a resposta imunológica. “São remédios eficazes, mas de alto custo, sendo dois disponibilizados pelo SUS, e cinco opções na rede privada brasileira”, pontua o especialista da Asbai.
Se você tem asma (ou conhece alguém com o problema) e quase perdeu o fôlego tomando nota de tantos deslizes e orientações diante da doença, puxe o ar e solte lentamente. A jornada rumo a uma vida mais oxigenada está ao seu alcance. Basta fazer sua parte.
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