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Cientistas propõem rebatizar doença conhecida como molusco contagioso

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Se você ou seu filho receberem o diagnóstico de molusco contagioso sem tantas explicações adicionais do médico, é provável que saiam da consulta achando que a criatura responsável pelas pequenas bolhas na pele só poderia ser um… molusco.

Mas aí que está o erro: o quadro é causado por um vírus.

É com o intuito de desfazer essa confusão, que remonta à classificação do problema no século 19 e induz as pessoas a ver os moluscos como vilões que merecem ser apagados do mapa, que os zoólogos Fabrizio Marcondes Machado e Rodrigo Salvador publicaram um artigo propondo a renomeação da enfermidade.

(Tabela: Editoria de Arte/Veja Saúde)

A ideia inclusive foi enviada ao comitê internacional responsável pela nomenclatura de agentes virais.

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“Não devemos de forma alguma utilizar nomes de animais para classificar doenças. Além de gerarmos equívocos e confundirmos o público, corremos o risco de criar impactos negativos ao bem-estar animal e ambiental”, resume Machado, que é professor visitante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e hoje realiza um pós-doutorado na Alemanha.

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Como surgiu a ideia de renomear a doença

O estalo para fazer justiça aos moluscos veio depois de Machado ler uma matéria no jornal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). “Estava estampado na capa da publicação o termo ‘molusco contagioso’ e, como malacólogo, um especialista em moluscos, aquilo me causou estranheza”, conta.

O biólogo fez uma pesquisa sobre o assunto na internet e descobriu que se tratava de uma doença relativamente comum, bastante conhecida de dermatologistas, pediatras e outras especialidades médicas. Ciente de que o causador era um vírus, Machado foi estudar de onde veio o nome que culpava integrantes do filo Mollusca e havia se consolidado na literatura e na prática clínica há mais de 100 anos.

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“A ideia inicial nem era propor uma alteração no nome da doença, que já possui o seu próprio CID (Classificação Internacional de Doenças) há anos, mas alertar sobre os possíveis problemas em associar uma patologia a um grupo de animais que não possui nenhuma relação com ela”, relata.

Atento ao fato de que os virologistas estão atualizando o sistema que dá nome aos vírus – a lógica agora é muito semelhante à empregada entre plantas e animais -, o cientista decidiu sugerir uma reclassificação da doença e de seu verdadeiro responsável. “Estamos propondo que, em vez de molusco contagioso, as pessoas chamem o problema de verrugas d’água ou simplesmente wpox. Sabemos, contudo, que o nome é muito enraizado na cabeça dos médicos.”

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O cientista Fabrizio Marcondes Machado durante pesquisa na Unicamp (Foto: Antonio Scarpinetti/ Unicamp/Reprodução)

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Como se muda o nome de um vírus

Mobilizado pela causa, Machado enviou sua proposta ao presidente do Comitê Internacional de Taxonomia dos Vírus (ICTV, na sigla em inglês), o professor brasileiro Murilo Zerbini, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). A ideia foi bem recebida. “Fiquei animado, porque temos boas chances de alterar o nome do vírus, atualmente Molluscipoxvirus molluscum“, revela o zoólogo. O plano é que o patógeno passe a se chamar Aquapoxvirus papulosum.

“Essa possibilidade de mudança é incrível, porque, trocando o nome do vírus, provavelmente conseguiremos que o nome atual da doença, molusco contagioso, seja abandonado”, diz Machado. Para que a patologia em si mude de nome, por sua vez, é preciso ter a avaliação e o aval de uma comissão ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Mas como se muda o nome de um vírus? Com a palavra, o professor Zerbini, líder da ICTV: “O comitê recebe propostas de taxonomia que podem ser submetidas por qualquer pessoa, independentemente de ser virologista, e as analisa em sua reunião anual, dando um parecer inicial de aprovação ou não”.

Ele prossegue: “As propostas validadas pelo conselho executivo da entidade são então votadas por todos os membros, cerca de 180 profissionais, e, se aprovadas, passam a ser oficiais”.

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(Para quem tiver curiosidade, neste link é possível ver a lista atualizada dos vírus catalogados)

E quanto ao vírus do molusco contagioso? Há mudanças à vista? “A proposta está bem fundamentada. É difícil fazer previsões, mas, com base no que tem sido discutido, há boas chances de ser aprovada”, afirma Zerbini.

Contudo, o virologista faz uma ponderação: “O ICTV é responsável apenas pelos nomes científicos das espécies, e não pelos nomes comuns ou vulgares que os vírus e as doenças recebem. Não temos como mudar o nome ‘molusco contagioso’”.

“O nome das doenças em si até pode ser modificado, mas pela OMS, como aconteceu com a monkeypox, que passou a ser chamada de mpox. Mas não há nenhum órgão oficial responsável pelos nomes comuns. Eles são resultado de um consenso, ou da falta de consenso, da comunidade científica”, esclarece o professor.

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Por que a causa é nobre para os animais e o ambiente

Fabrizio Marcondes Machado e Rodrigo Salvador sabem da dificuldade que é mexer em um nome tão entranhado entre os médicos e o público. Mas estão confiantes na causa. “Creio que plantamos uma boa semente. É importante que as pessoas reconheçam a recomendação da ONU de parar de nomear doenças atreladas a determinados animais”, expõe Machado.

Isso é particularmente relevante e desafiador para o filo dos moluscos, aquele que engloba de lula a caramujo – são, de acordo com levantamento encabeçado pelo pesquisador da Unicamp, mais de 3 500 espécies só no Brasil.

“Embora não tenhamos uma evidência direta entre o uso do nome da doença e a mortandade de moluscos, é sempre bom se prevenir. Falamos de um grupo megadiverso de animais que vivem no mar, na água doce e na terra e são fundamentais para a manutenção dos ecossistemas”, argumenta Machado.

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E o mal do caramujo?

Esse é o nome popular da esquistossomose, também chamada de barriga d’água e provocada por um… verme. “Embora o molusco participe como hospedeiro intermediário do parasita, é o homem que faz o papel de hospedeiro definitivo”, explica Machado.

“Só uma minoria desses animais é infectada pelas larvas do verme. E são elas, não o molusco, que penetram no homem e causam a doença”, completa.

De novo, não adianta jogar a culpa no pobre molusco!

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