Os avanços científicos na saúde revolucionaram nossa expectativa de vida e a longevidade das sociedades.
Mas esses avanços, de importância inegável, não substituem a interação entre profissional de saúde e paciente, que transcende prescrições e diagnósticos, criando uma aliança terapêutica que por si só pode ser curativa.
Essa aliança tem como componente central a confiança que o paciente deposita no profissional e no sistema de saúde como um todo.
A principal quebra desta confiança se dá quando o paciente é vítima de um erro ou falha. Ninguém espera sofrer um dano quando busca um hospital ou qualquer outro serviço de saúde. Mesmo assim, um em cada dez pacientes passa por isso enquanto recebe cuidados hospitalares, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por ano, 134 milhões de eventos adversos são contabilizados em hospitais de países de baixa e média renda e resultam em 2,6 milhões de mortes.
Neste cenário surge o conceito de disclosure, termo da língua inglesa que representa o conjunto de medidas a serem tomadas quando um paciente sofre um dano ou morre em decorrência de um erro ou falha.
Em primeiro lugar, o hospital ou qualquer outro serviço de saúde tem a obrigação de ser honesto, ou seja, de contar para o paciente e seus familiares o que aconteceu, de pedir desculpas e de fornecer todo o apoio para lidar com dano ou a morte. Além disso, deve tomar precauções para que eventos semelhantes não ocorram no futuro.
Alguns exemplos de erros ou falhas: quando o indivíduo teve a perna errada operada, recebeu um diagnóstico errado ou não foi transferido para a unidade de terapia intensiva (UTI) no momento oportuno.
O disclosure garante o direito à informação, o direito de acesso ao prontuário, o direito à confidencialidade das informações pessoais e envolve dimensões jurídicas, ética, de gestão e, crucialmente, relacionadas à empatia.
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Longe da prática
No Brasil, o disclosure ainda não se encontra regulamentado no Sistema Único de Saúde (SUS). E, em geral, os serviços de saúde relutam em implementá-lo por preocupações com possíveis processos judiciais.
Assim, há uma lacuna quando acontece algo de errado no cuidado do paciente, pois inexiste qualquer política pública, lei ou padronização que determine para os hospitais qual a medida a ser seguida frente a um evento adverso.
Também não há previsões no Código de Ética Médica ou no Código de Ética da Enfermagem sobre o dever de honestidade dos profissionais que impõe contar ao paciente e ao familiar o que aconteceu, como há na Inglaterra.
No país, pode ser observado em alguns hospitais de excelência, que a implementação do disclosure é feita como uma boa prática, reflexo da transparência da organização e do seu compromisso com o respeito aos pacientes e familiares.
O disclosure é a resposta empática, honesta e oportuna dos serviços e dos sistemas de saúde a um momento de muita dor para pacientes e familiares. Hoje, contudo, se os pacientes sofrem danos no hospital, não há nenhuma obrigação legal de informar o que aconteceu. Assim, eles ficam confusos, desorientados e ansiosos, fazendo perguntas e tentando entender o que se passa.
Isso não é ético, nem empático, e as sociedades precisam ser organizar a partir de comportamentos éticos e empáticos, pois apenas assim são saudáveis. Quando naturalizamos e aceitamos que pessoas em situações de sofrimento não sejam apoiadas e orientadas, estamos alimentando uma sociedade doente, fundamentada no individualismo e na desconsideração do outro.
*Aline Albuquerque é pesquisadora e autora do primeiro livro sobre disclosure no Brasil, Disclosure na Saúde: comunicação aberta de eventos adversos (Clique para comprar)
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