Lúpus é uma doença autoimune inflamatória e crônica, que afeta os anticorpos. Ou seja, o que deveria te proteger acaba agindo contra você. E é com essa vulnerabilidade que vivem muitos pacientes, inclusive eu. Este texto é sobre o meu processo vivendo com lúpus há 17 anos, e sobre a minha crise mais recente e perigosa, que afetou o coração e os dois pulmões.
O nome dessa doença vem do latim e significa “lobo”, porque a mancha vermelha característica dos pacientes lembravam as manchas de algumas espécies de lobo.
Mas a mancha acabou ficando mais conhecida por “asa de borboleta” e, na minha opinião, é bem mais coerente. Tanto pelo formato, que lembra de fato as asas de uma borboleta abertas, quanto pela simbologia.
A borboleta é um inseto frágil. Mas, ao mesmo tempo, cheio de cor, de vida, e que tem ânsia por alçar voos mais altos. E muitas pacientes se definem como borboletas.
Meu diagnóstico foi demorado e intenso, pela falta de informação relacionada ao lúpus que havia na época – estamos falando de 2007. Tive dores nas articulações, febre, e vi minha vida mudar de cabeça para baixo!
Precisava evitar tomar sol, me alimentar melhor, fazer exercícios. Comecei a tomar uma dose de corticoide que me deixou bastante inchada.
A notícia sobre a minha doença se espalhou pela escola, e me lembro que a primeira fala veio de uma colega, que foi direta: “É verdade que você vai morrer?”.
Na época, isso me parecia um tanto quanto absurdo. Mas depois da minha última crise (a terceira em 17 anos), eu já não sei mais. Quando se tem lúpus, a gente nunca sabe como vai acordar no dia seguinte.
Em 22 de fevereiro de 2023, exatos quatro dias depois do meu aniversário, minha respiração falhou. Fui ao hospital, e um raio-x revelou que eu estava com derrame pleural e pericárdico – meus dois pulmões e o coração estavam com acúmulo de líquido, o que impedia a respiração e colocava meu coração em risco de parar de funcionar.
Foi simplesmente desesperador. Fui internada logo em seguida, e precisei usar oxigênio.
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Foram dois meses de internação, muitos exames, e febre todos os dias por um mês e meio. Precisei drenar pulmões e coração, e receber transfusão de sangue.
Me veio à mente tudo aquilo que não fiz. O cargo de gerência que ainda não alcancei. O pastel com caldo de cana que não podia comer. Os amigos que não vi. O mestrado no exterior que nunca cursei. O fato de eu ainda não ter conseguido dar uma vida melhor para a minha família. Tanta coisa!
No final, os médicos testaram um medicamento mais potente utilizado para o lúpus em casos graves, e comecei a melhorar aos poucos, depois de um mês e meio. Abandonei o oxigênio, tirei os drenos.
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O cansaço continua, meu corpo nunca mais foi o mesmo. Mas não posso negar que nasci de novo.
Em muitos anos de correria no trabalho, aprendi a parar para reconhecer os meus progressos. Confesso que era um tanto workaholic: estava sempre a galgar o próximo passo e esquecia do presente.
E isso foi o que mais aprendi sobre mim durante essa “experiência”: eu fiz o que pude. Continuo sempre fazendo o que posso, e isso é suficiente.
Sou jornalista para acabar com a falta de informação, escrevo para equilibrar os sentimentos, e sonho porque acredito. Então, ouso aqui deixar umas palavras de motivação àqueles que enfrentam a batalha discreta de conviver com uma doença (autoimune ou não): é possível se cuidar e se adaptar de acordo com as suas necessidades, ainda que isso exija uma autodisciplina.
Viver é mais urgente que qualquer procrastinação. E voar é necessário para toda borboleta que sai do casulo.
*Fernanda Lagoeiro é jornalista, copywriter e uma borboleta obstinada por novos voos. Escreve principalmente sobre impacto social, meio ambiente e empoderamento feminino. Já viajou sozinha para 14 países, e representou o Brasil em diversas conferências diplomáticas internacionais. Foi diagnosticada com lúpus há 17 anos.
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