O horário de verão, que adianta uma hora no relógio entre os meses de outubro e fevereiro, foi estabelecido pela primeira vez no Brasil há 93 anos, no dia 3 de outubro de 1931.
A ideia era aproveitar melhor a luz solar e poupar energia elétrica, mas a medida foi encerrada pelo governo federal em 2019, depois de estudos apontarem poucos efeitos práticos da mudança.
O tema voltou a ser analisado pelo governo federal neste ano com evidências favoráveis a ele e chances reais de retorno, embora o Ministério de Minas e Energia descarte a possibilidade de crise energética.
Entre a população, não há um consenso: há os que amam e os que odeiam a alteração cronológica. Quem não gosta reclama de dificuldades para dormir, sonolência durante o dia, irritação, mal-estar, além de problemas de concentração e na rotina alimentar.
Mas isso pode ser apenas a ponta do iceberg, segundo cientistas brasileiros que assinaram recentemente um manifesto destacando os impactos para saúde do horário do verão.
+ Leia também: Crononutrição: conheça os segredos da ciência que estuda efeitos dos horários da alimentação
Manifesto contra o horário de verão
Pesquisadores da cronobiologia, área da ciência que estuda o relógio biológico dos seres vivos, enfatizam que os malefícios à saúde superam os benefícios econômicos da iniciativa.
Por isso, redigiram o manifesto divulgado à sociedade. O texto conta com mais de 25 assinaturas de estudiosos que integram instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e diversas universidades federais.
Um dos autores do documento, o doutor em fisiologia humana Luiz Menna-Barreto, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que o adiantar do relógio interfere em eventos internos do organismo, forçando adaptações que bagunçam os ritmos do corpo.
“Sabemos hoje que as funções do corpo oscilam e esses ritmos são sincronizados a eventos bem conhecidos: os ciclos claro e escuro, alimentação e jejum, atividade e repouso e interação social”, detalha Menna-Barreto, que é um dos principais estudiosos do tema no Brasil.
Os ajustes fisiológicos ao horário de verão não ocorrem todos na mesma rapidez e eficácia. Alguns de nós nunca se adaptam completamente, desorganizando o que se entende como organização temporal interna. “Aparecem problemas de sono, humor, memória, alterações digestivas, entre outros”, frisa o cientista.
+ Leia também: A exposição ao sol das 10h às 16h ainda é a mais perigosa para a saúde?
No manifesto, os especialistas também destacam aumentos de eventos cardiovasculares adversos, de transtornos mentais e cognitivos, além de um crescimento na incidência de acidentes de trânsito e ocupacionais nos primeiros dias após a mudança.
O documento cita um estudo brasileiro, publicado no periódico Annals of Human Biology, com a participação de mais de 12 mil pessoas, que revela desconforto em mais de 45% dos voluntários.
Os pesquisadores argumentam que o impacto negativo não é revertido facilmente e pode levar a problemas crônicos de saúde, como explica a nutricionista Cibele Aparecida Crispim, pesquisadora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que também integra o manifesto.
“Essa falta de sincronia em longo prazo causa uma série de efeitos, como problemas relacionados ao sistema nervoso central, caso da depressão. Uma consequência importante também é a privação do sono”.
Até pode-se pensar que esse efeito acontece só nos primeiros dias, mas não. “Há uma tendência de esticar um pouco mais o dia e dormir menos, o que está associado a uma série de doenças, como obesidade, doenças cardíacas e câncer”, frisa Cibele.
Para minimizar os efeitos, são recomendadas medidas como a redução no consumo de cafeína, a exposição à luz natural, evitar atividades estimulantes no período noturno, reduzir o uso de telas à noite e buscar ir para a cama nos mesmos horários todos os dias.
Conheça outros hábitos de higiene do sono.
Idas e vindas
O horário de verão entrou em vigor pela primeira vez no Brasil entre outubro de 1931 e março de 1932, por meio de um decreto instituído pelo então presidente Getúlio Vargas.
Contudo, foi entre 1985 e 2018 que a medida se consolidou e foi adotada anualmente, sem interrupções. Nas mais recentes aplicações, participavam os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal.
Tradicionalmente, o adiantar dos ponteiros visava o melhor aproveitamento da luz solar, postergando o acender das luzes nas residências. Contudo, alterações no perfil de consumo de energia, com um foco maior no período da tarde, reduziram os efeitos práticos da política, ao menos no contexto do setor elétrico.
As constatações são de estudos solicitados pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que embasaram a decisão pela extinção da medida em 2019, por decreto assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Neste ano, foram pedidas novas análises para embasar o retorno ou não da política. Os estudos apresentados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam impactos positivos para o setor elétrico com a adoção do horário de verão.
O relatório enfatiza que a alteração cronológica pode contribuir para a maior eficiência do Sistema Interligado Nacional (SIN), especialmente entre 18h e 20h.
Para além do contexto energético, a adesão também anima o setor de serviços, uma vez que o tempo expandido de luz natural ao fim do dia tende a estimular o movimento de bares, restaurantes e do comércio em geral.
O tema segue em avaliação pelo governo, que poderá optar pela retomada em novembro, de acordo com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Compartilhe essa matéria via: