Uma infecção de garganta mal curada pode ser o gatilho para uma sequência de problemas de saúde, que acometem o paciente jovem, na fase escolar e produtiva da vida, com consequências psicológicas e sociais importantes. Entre elas, muitas vezes, uma doença grave nas válvulas do coração.
A faringoamidalite, nome técnico da infecção da garganta, normalmente é causada pela bactéria Estreptococo beta-hemolítico do grupo A (EBGA).
Esta infecção tende ser o estopim de uma reação em cadeia, que começa com um desconforto tolerável na garganta, podendo resultar na febre reumática, que acomete as articulações, o sistema neurológico e ou o coração, com possibilidade de sequelas irreversíveis nas valvas cardíacas, levando à necessidade de correção cirúrgica.
Por ser uma doença recorrente – principalmente na faixa etária entre 5 e 15 anos – a dor de garganta, muitas vezes, é negligenciada, com o uso de medicamentos inadequados e até com manobras sem nenhuma eficácia comprovada, como o “lenço com álcool no pescoço”, entre outros hábitos difundidos entre famílias.
Porém, se comprovado o diagnóstico de amigdalite bacteriana, o tratamento com antibiótico prescrito pelo médico deve ser iniciado o mais rápido possível.
O que é a febre reumática e como ela atrapalha o coração
Entre 0,3% e 3% das pessoas com esse quadro, quando não tratadas, desenvolverão a febre reumática, que é a resposta imunológica à infecção bacteriana do Estreptococo.
Cerca de duas semanas após o acometimento da garganta, o paciente pode ter febre, dor articular, inflamação das grandes articulações, cansaço, frequência cardíaca elevada e – mais raramente – um quadro neurológico caracterizado por movimentos involuntários dos membros, irritabilidade e falta de atenção.
O diagnóstico considera a história clínica, o exame físico e os complementares de laboratório e imagem, incluindo o ecocardiograma.
A febre reumática ocorre quando as células de defesa do organismo se desorganizam e atacam os próprios tecidos do corpo, causando novas inflamações, inclusive no coração. Entre 30 e 40% dos diagnosticados desenvolvem a doença reumática grave. Ela aparece em surtos e, se não prevenida, a cada incidente aumenta a probabilidade de lesões cardíacas.
A febre reumática é a principal geradora das valvopatias em países em desenvolvimento como o Brasil, impactando cerca de 150 milhões de pessoas no mundo e provocando 500 mil mortes ao ano.
As valvopatias são patologias que prejudicam o funcionamento das válvulas do coração, impedindo abertura e (ou) fechamento natural, gerando sobrecarga ao coração, resultando em falta de ar, cansaço físico, tosse, pernas inchadas, dor no peito ou desmaios.
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Realidade brasileira
Por aqui, **30 mil novos casos de febre reumática ocorrem todos os anos segundo dados publicados nas Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Febre Reumática, sendo que 50% evoluem com sequela cardíaca e necessidade de cirurgia.
Crianças e jovens são as maiores vítimas. No país, a prevalência da doença está entre um e sete episódios para cada 1 mil estudantes. Já nos Estados Unidos, o cenário é de 0,1 a 0,4 ocorrências por 1 mil escolares.
Uma vez diagnosticada, o Ministério da Saúde e as diretrizes brasileiras e internacionais recomendam a prevenção secundária, que consiste em antibiótico a cada 21 dias via intramuscular por tempo determinado pelo médico, considerando a idade, a valva acometida e o risco de novas infecções de garganta.
De acordo com especialistas, o combate da febre reumática requer um programa nacional multidisciplinar para esclarecimento da população; treinamento dos profissionais; melhorias no acesso aos serviços de saúde e investimentos em recursos materiais para cuidados com a doença reumática e em pesquisas relacionadas ao tema.
Já sabemos como a doença é adquirida, suas consequências, prevenção e tratamento. Basta divulgar as informações e promover a conscientização entre famílias, comunidades, escolas e serviços de assistência à saúde primária.
* Auristela Isabel de Oliveira Ramos é especialista em cardiologia, chefe da seção médica de valvopatias do Instituto Dante Pazzanese de cardiologia de São Paulo e coordenadora do Socesp Mulher
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