Algumas sessões científicas da última edição do encontro da Association for Diagnostics & Laboratory Medicine (ADLM) — um dos principais eventos da medicina diagnóstica, que ocorreu recentemente em Chicago (EUA) — corroboram uma tendência que, em alguns anos, será praxe: o uso da metagenômica na saúde.
O termo metagenômica se refere ao uso do sequenciamento genético para identificar a variedade de componentes microbianos presentes em amostras biológicas ou outros materiais, como porções do solo, água doce ou salgada.
No campo da medicina, a metagenômica já é bastante utilizada para análise do microbioma fecal – microrganismos que habitam o trato gastrointestinal humano – buscando identificar as bactérias presentes na porção investigada.
Um benefício importante da metagenômica, portanto, é a busca de agentes emergentes, ou seja, a possibilidade de identificar novos organismos que eventualmente impactam a saúde humana, de animais e de espécies vegetais. Um exemplo recente foi a rapidez com que o SARS-CoV-2 foi identificado a partir de amostras coletadas de indivíduos com pneumonia no final de 2019 em Wuhan, na China.
Pesquisas feitas no Brasil mostram o potencial da metagenômica no monitoramento de arboviroses, como dengue, febre amarela e zika, realizando o sequenciamento de DNA e RNA diretamente dos vetores desses vírus, os mosquitos.
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O sequenciamento genético
Voltando um pouco no tempo, é preciso entender o salto tecnológico que possibilitou a aplicação da metagenômica.
Chamamos de sequenciamento de última geração (NGS, na sigla em inglês) as tecnologias de sequenciamento de DNA que estão disponíveis há cerca de duas décadas. Essas tecnologias representaram, ao mesmo tempo, a aceleração da capacidade de “ler” o código que compõe o genoma humano (e de outras espécies) e a diminuição do custo desses processos.
Para comparação, o projeto Genoma – que se propôs a sequenciar o primeiro genoma humano completo – custou cerca de três bilhões de dólares e levou 13 anos para ser concluído, enquanto hoje o NGS realiza este sequenciamento em 48 horas e ao custo de mil dólares.
O tempo para finalizar o projeto Genoma foi reduzido, inclusive, pelo uso do NGS.
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À medida que essas tecnologias vão ganhando escala e se tornando mais acessíveis, é possível vislumbrar a adoção do NGS como método de rotina, com o sequenciamento de cada bebê nascido, por exemplo.
Outro desenvolvimento tecnológico crucial para a ascensão da metagenômica foi a bioinformática, uma ciência que faz a análise de grandes volumes de dados, basicamente a sequência de bases moleculares A, C, G ou T, que compõem o DNA de todos os seres vivos.
No campo da medicina diagnóstica, a potência da metagenômica está na capacidade de identificar velozmente agentes infecciosos e proporcionar o desenvolvimento de novos testes para o monitoramento das doenças.
A disponibilização dessa tecnologia de forma ampla e acessível, com suas devidas validações clínicas, permite que, dentro do hospital, o médico investigue a causa de qualquer doença infecciosa, conhecida ou não, com uma simples amostra de sangue, plasma, líquor, pele ou outro material.
A partir da detecção do agente, é possível desenhar o melhor tratamento para o caso. É uma mudança de paradigma na saúde, já colocada em prática em alguns hospitais nos Estados Unidos e apresentadas na ADLM. O médico protagonista da série Doctor House, neste novo cenário, se sentiria irrelevante em vários momentos.
O laboratório do futuro já está sendo moldado pela metagenômica.
Essas novas tecnologias impactam positivamente não só no diagnóstico e vigilância genômica, mas também no monitoramento da resistência aos antibióticos, no planejamento de tratamentos mais eficazes, além da ampliação do conhecimento sobre o mundo microbiano, assim como foi o projeto Genoma para o conhecimento sobre nós mesmos.
*José Eduardo Levi, virologista e superintendente de desenvolvimento e pesquisa da Dasa
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