Convivo com a alergia desde que me entendo por gente. Perdi a conta de quantas vezes briguei com crises de rinite, espirrando horrores e sofrendo para pegar no sono com o nariz entupido.
Me lembro de uma época em que só saía de casa com um descongestionante potente, contrariando os conselhos dos médicos de não abusar do expediente.
Na adolescência, a alergia decidiu me atormentar de outra forma — literalmente à flor da pele. Era a dermatite atópica. Irritação, vermelhidão e coceira, especialmente nas dobras das pernas e dos braços e no pescoço, se tornaram parte da rotina.
O suplício não era só físico, claro. No colégio, aquelas marcas viraram motivo de gozação. Haja pomada e creme hidratante para apagá-las — nem sempre com sucesso.
Bastava o clima esquentar e o suor brotar para os sintomas voltarem. Bastava a temperatura cair e o banho ficar mais quente para a coisa piorar. Bastava um mergulho numa piscina com cloro para a pele empipocar.
Mas tive sorte: apesar dos percalços (devidamente medicados), com a idade a dermatite arrefeceu. De vez em quando ela bota as garras de fora, mas já não é a fera indomável de tempos atrás.
Há menos de um mês, vivenciei outra saga, agora com meu filho recém-nascido. Cólicas, diarreias e exames alterados sugeriram uma alergia multialimentar — proteínas da comida que passavam pelo leite materno despertavam uma dolorosa reação no bebê.
Chegamos a ficar internados uma semana para investigar o que estava acontecendo. Tensão a mil! A introdução de uma fórmula de aminoácidos livres — infelizmente, a amamentação teve de ser interrompida — e o tratamento da inflamação intestinal estabilizaram a situação, e o pequeno voltou a ganhar peso e esbanjar sorrisos.
Ufa! Somos dois entre bilhões de pessoas no planeta que, cedo ou tarde, experimentam alergias. Uns lidam com chateações passageiras, outros penam com doenças crônicas e duras na queda.
A antropóloga médica Theresa MacPhail, outra alérgica nessa multidão, foi motivada pela perda do pai por um choque anafilático após a picada de uma abelha — outra reação do gênero! — a investigar por que nosso sistema imunológico passou a responder de uma maneira tão brutal a elementos como ácaros, pólen e alimentos.
A busca por respostas deu origem ao livro Alérgicos (BestSeller), uma das inspirações para a reportagem de capa desta edição, assinada por Larissa Beani, colega de jornalismo e rinite.
Por que vivemos essa explosão de diagnósticos? Como as mudanças ambientais estão repercutindo na nossa imunidade? Quais as apostas da medicina diante desse boom de “ites”? Antes que me venha um espirro, convido você, alérgico ou não, a enveredar por essa história.
Passado e futuro
Em janeiro de 2008, VEJA SAÚDE (então SAÚDE É VITAL!) publicou uma capa sobre a ascensão das alergias alimentares. Coincidência (ou não), foi minha primeira reportagem de fôlego para o veículo, quando era um recém-formado.
Dezesseis anos depois, os números do problema decolaram, como afirma uma das entrevistadas tanto da matéria de 2008 quanto do conteúdo desta edição, a alergista Renata Cocco. Acompanhando esse universo há mais de duas décadas, a médica, um dos maiores nomes em alergia alimentar no Brasil, diz que a explosão de diagnósticos beira níveis epidêmicos. E não há indícios de que o cenário vá melhorar!
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