No último dia 22 de setembro, celebramos o Dia Mundial da Leucemia Mieloide Crônica (LMC). Essa data é emblemática, pois marca a descoberta da translocação cromossômica que ocorre entre os cromossomos 9 e 22 em mais de 90% dos casos de LMC, principalmente em adultos, mas com raras ocororências em crianças.
Essa alteração também é conhecida como cromossomo Filadélfia, em homenagem a cidade onde foi descrita há várias décadas, e pode ser adquirida durante a vida. Nessa situação, há a formação de um gene de fusão, que dá origem a uma proteína chamada BCR:ABL1, que por sua vez leva a proliferação celular intensa e é a causa da doença.
A LMC é um câncer hematológico relativamente raro, que atinge entre 1 e 2 indivíduos a cada 100.000 habitantes. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) indicam que no Brasil o número estimado de novos casos de leucemia para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 11.540.
A LMC corresponde a 15% das leucemias e pode ser assintomática no início, sendo detectada somente pelo aumento das células brancas no sangue (leucocitose) em exames de rotina, mas muitos pacientes podem ter na apresentação inicial sintomas como perda de peso, fadiga, sensação de plenitude gástrica ou desconforto abdominal pelo aumento do baço.
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Novos tratamentos trazem esperança
Durante muitas décadas, a LMC foi uma doença inexoravelmente fatal, com exceção dos poucos indivíduos que podiam ser submetidos ao transplante de medula óssea.
O paciente, após uma fase inicial (fase crônica) que durava em média 5-6 anos, evoluía para uma fase de transformação e para uma fase final, onde ocorria uma leucemia aguda refratária, chamada de crise blástica, com óbito em poucos meses na maioria dos casos.
Felizmente após a descoberta dos genes envolvidos e o desenvolvimento das terapias alvo, os inibidores de tirosina quinase, houve uma drástica mudança no prognóstico e na sobrevida dos pacientes com LMC, se assemelhando hoje em dia à da população geral.
A LMC é um dos maiores exemplos de sucesso das terapias alvo e já temos cerca de duas décadas de experiência com essa abordagem. Podemos dizer que, a partir deste tratamento, a oncologia se transformou e uma quantidade crescente de neoplasias agora podem ser tratadas de forma mais “inteligente”, menos tóxica e mais personalizada, respeitando o conhecimento biológico da doença.
Que medicamentos e estratégias são usadas contra a LMC?
A primeira droga desenvolvida para a LMC foi o mesilato de imatinibe, que até hoje é o tratamento inicial para os pacientes tratados no Sistema Único de Saúde (SUS), embora outras drogas também sejam aprovadas para uso na primeira linha de tratamento, como o bosutinibe, dasatinibe e nilotinibe.
A maioria dos pacientes apresenta boa resposta ao imatinibe, mas, para os pacientes que desenvolvem resistência ou intolerância, está indicada a troca para um inibidor de segunda geração.
Mesmo com essas opções, há pacientes que podem necessitar de outros tratamentos, como os remédios ponatinibe ou asciminibe, ainda não disponíveis no SUS, ou ainda do transplante de medula óssea.
O tratamento é monitorado com um exame de sangue chamado de RT-PCR quantitativo, onde se avalia a carga tumoral da leucemia. Esta é outra revolução. Na LMC podemos monitorar e estimar o quanto de doença o paciente tem e fazer as intervenções, quando necessária, em favor do paciente.
Na medida em que o tratamento evolui, essa carga tumoral vai sendo reduzida, podendo tornar-se indetectável.
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Adesão é chave para sucesso
É importante dizer que o sucesso do tratamento depende de uma ótima adesão a ele. Interrupções não planejadas, tanto pelo paciente (perda de aderência comum em doenças crônicas) quanto pela eventual falta do remédio, podem ser extremamente prejudiciais e levar a maior taxa de insucesso e resistência.
Os indivíduos que atingem resposta profunda e estável podem ser elegíveis para protocolos de suspensão de tratamento, mas somente sob supervisão médica rigorosa e controles laboratoriais adequados. A taxa de sucesso da suspensão desses casos é de cerca de 50%.
Portanto, além de celebrarmos o dia da conscientização sobre a LMC e o avanço da ciência na melhora da sobrevida dos pacientes, também chamamos a atenção da sociedade para os aspectos da doença e para as necessidades ainda não atendidas, como o fornecimento contínuo dos tratamentos, a incorporação e o acesso às novas drogas na rede pública e privada e os exames necessários para o monitoramento do quadro.
Ainda há muito a se fazer para encontrar a cura e várias pesquisas tem sido desenvolvidas para aumentar a taxa de sucesso dos tratamentos e dos protocolos de suspensão dele, evitando assim os efeitos adversos crônicos que podem ser causados pelas medicações.
*Carmino Antonio De Souza é hematologista, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
(Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health)(Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health)
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