“Comer demais não causa obesidade; obesidade é que faz comer demais. Comer menos não cura obesidade; tratar a obesidade é que faz comer menos.”
Foi com essas palavras que o médico Andrei Carvalho Sposito, professor titular de cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), encerrou sua palestra no último Congresso Internacional de Obesidade (ICO), sediado em São Paulo.
As afirmações, contundentes, são provocativas e podem gerar até certa confusão à primeira vista, mas se escoram no que os estudos atuais têm revelado sobre uma condição presente na vida de mais de 1 bilhão de pessoas pelo mundo.
Sim, há mais coisas entre a magreza e o excesso de gordura corporal do que supunha a medicina. Antes tudo se resumisse ao “comer menos, exercitar-se mais”… Não, definitivamente não funciona assim.
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Por um longo tempo, a obesidade foi encarada como algo simples de ser explicado e tratado: um desbalanço energético cuja “culpa” recaía, única e exclusivamente, no indivíduo acima do peso. “Muita gente ainda acha que pessoas nessa condição são displicentes, não têm interesse em se cuidar, enfim, são responsáveis pela própria situação”, nota Sposito, que investiga o elo entre os quilos a mais e a saúde do coração.
Porém, essa visão, muito estigmatizante, não tem respaldo científico. Hoje se consolida o entendimento de que a obesidade é uma doença crônica, multifatorial e altamente recidivante — e aí está o efeito sanfona para não deixar mentir.
Doença que vem mantendo um ritmo de crescimento assustador, com impactos gigantescos sobre o bem-estar individual e a saúde pública. Calcula-se que, direta ou indiretamente, ela esteja por trás de 5 milhões de mortes por ano.
É uma “pandemia” mais avassaladora que a Covid-19: em seu pior período, a infecção deixou 3 milhões de vítimas fatais.
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O panorama preocupa no mundo todo, e, no Brasil, não é diferente: uma em cada cinco pessoas, considerando todas as faixas etárias, convive com o problema.
Além das repercussões na qualidade de vida delas, a obesidade pesa no bolso da nação. A estimativa é que os gastos relacionados à condição em um único ano superem 185 bilhões de reais, o equivalente a 2% do PIB e o correspondente a 20% das despesas de saúde do governo.
Se o ritmo continuar como está, projeta-se que, em 2060, ao redor de 70% da população entrará nos limites da obesidade e ela custará aos cofres públicos mais de 1 trilhão de reais.
Essa situação calamitosa não surgiu do nada. É resultado da expansão do que os cientistas chamam de um ambiente obesogênico, com alta oferta de alimentos hipercalóricos, rotinas cada vez mais sedentárias, exposição sem tréguas ao estresse… Sem falar de uma pitada de influências genéticas.
Só que, diante de uma doença em ascensão, os medicamentos disponíveis mal conseguiam gerar 5% de perda de peso, índice frequentemente insuficiente e bem mais modesto do que o oferecido por fármacos para hipertensão, colesterol alto e diabetes.
E é aí, nesse terreno semeado por pesquisas, que a colheita anuncia um ponto de virada. A nova safra de remédios para obesidade evoluiu à la “50 anos em 5”.
A grande inovação, que mudou o mercado global, foi a criação de uma classe de medicamentos que imita um hormônio intestinal, os agonistas de GLP-1 de aplicação semanal.
Essa é a razão de existir da semaglutida, o princípio ativo das canetas de Ozempic — que viraram febre pelo potencial emagrecedor, mas se destinam ao tratamento do diabetes — e do Wegovy, este, sim, a versão do laboratório Novo Nordisk voltada à obesidade, que acaba de ser lançada no país.
Os estudos mostram que o uso do remédio por mais de um ano permite eliminar entre 15 e 20% do peso corporal, em média. E outras medicações, previstas para os próximos meses e anos, prometem lograr reduções ainda mais expressivas.
O furor dos novos remédios não despontou isento de críticas e desconfianças, sobretudo devido às polêmicas envolvendo o uso inadequado e estético do precursor Ozempic.
Há quem aponte o dedo para a banalização dessas drogas numa era em que a magreza dita a moda nas redes sociais. Outros questionam os preços, pouco acessíveis para grande parte da população.
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E tem gente batendo na tecla de que esses remédios não passam de uma “muleta”, como se as mudanças de hábito bastassem para emagrecer. Os experts refutam, no entanto, alegando que essa percepção é falsa e preconceituosa.
“Melhorar a alimentação e praticar exercícios proporciona uma perda de peso limitada”, afirma a nutricionista Renata Bressan, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). “Quem tem obesidade apresenta prejuízos fisiológicos, incluindo na regulação do apetite, o que torna difícil resolver a situação só com ajustes na rotina”, conclui.
É por isso que convocar medicamentos pode ser tão necessário. Tratar a obesidade é travar uma batalha com o metabolismo, tendo um inimigo extremamente traiçoeiro: o próprio cérebro. Ele mesmo explica por que não basta ter força de vontade para perder peso. O controle da fome e da saciedade depende, em boa medida, de mecanismos fisiológicos inconscientes, conduzidos por reações químicas e disparos de sinais elétricos.
É preciso, portanto, penetrar e burlar esse sistema, descompensado na obesidade.
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Afinal, como o peso é regulado?
Durante décadas, a regulação do balanço energético foi uma incógnita para a ciência. Mas tudo mudou em 1994 com a descoberta do hormônio leptina, produzido pelo tecido adiposo.
Sim, nossa camada de gordura é uma espécie de órgão endócrino, e sintetiza um hormônio intimamente relacionado com asaciedade. É a leptina que sinaliza ao cérebro que é hora de parar de comer — ainda que raro, pessoas que nascem sem ela sofrem de obesidade severa desde bebês, algo remediado com a reposição hormonal.
E descoberta puxa descoberta. “Estudando a leptina, foi possível localizar os neurônios que controlam a fome”, conta o médico Lício Velloso, do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da Unicamp. “Antes, não se sabia que uma área do cérebro, o hipotálamo, exercia um papel no controle do apetite.”
O tal do hipotálamo é, na verdade, o maestro de toda a orquestra que nos leva à mesa — e nos tira de lá. Ali convivem duas classes de neurônios reguladores do apetite: uma fica ativada quando estamos satisfeitos; a outra quando estamos com fome.
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Tudo acontece num ciclo perfeito. Quando falta combustível para o organismo, um hormônio chamado grelina é liberado pelo aparelho digestivo e aciona os neurônios pró-fome. Depois da refeição, outros hormônios são lançados em circulação e tocam a campainha dos neurônios pró-saciedade — entre eles, estão a leptina e outro já conhecido nosso, o GLP-1.
O ser humano, porém, não se alimenta só quando precisa: também há o comer hedônico, a vontade de saciar um prazer a despeito da necessidade fisiológica. Essa “fome” — um desejo, na verdade — é mediada por outra região cerebral, o sistema límbico, reduto das emoções.
Toda essa regência bioquímica, porém, é desmantelada pelo acúmulo de gordura no corpo. Sim, parece uma daquelas questões sobre o que vem primeiro: o ovo ou a galinha.
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O fato é que o depósito gorduroso, principalmente entre os órgãos dentro do abdômen, é uma usina de moléculas inflamatórias, as responsáveis pela algazarra que arruína a harmonia do concerto. À medida que a pessoa engorda — refém de dieta inadequada, sedentarismo e rompantes de fome emocional —, mais alimenta seu estoque de gordura visceral e seus níveis de inflamação.
E, com o tempo, esse estado crônico atrapalha a ação dos hormônios que regulam o balanço do apetite e da saciedade, caso da leptina. Veja que paradoxo: pessoas com obesidade produzem bastante leptina, mas seu organismo é resistente a ela — ponto para o descontrole à mesa.
Como tudo está conectado, a confusão instalada vai repercutir em outros hormônios (cortisol, insulina…) e até na microbiota intestinal, promovendo colônias de bactérias que favorecem a absorção de energia dos alimentos.
No fim, o círculo vicioso conspira para mais vontade de comer, mais depósito gorduroso, mais inflamação…
“Em vez de a gordura ficar no tecido subcutâneo, esse estado contribui para que ela se acumule no fígado, nos rins, no coração, nas artérias… O que leva a diversas comorbidades, como diabetes e doenças cardiovasculares”, resume o endocrinologista Cesar Boguszewski, da Sociedade Brasileira de Endrocrinologia e Metabologia (Sbem).
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E a conspiração pode começar cedo. Estudos indicam que, entre aqueles que vivem acima do peso por muito tempo, ou desde novinhos, há uma memória metabólica que estabelece o padrão de sobrecarga corporal como ideal.
Aí, quando o sujeito tenta emagrecer, o organismo entende que está sob ameaça, se desnutrindo. O que ele faz? Baixa o gasto energético e pede por mais comida.
Estudos do pesquisador estadunidense Kevin Hall, um dos maiores experts da área, apontam que o organismo pode baixar em 500 a 700kcal o metabolismo basal do indivíduo que tenta perder peso. E que, a cada quilo que diminui, a fome da pessoa aumenta em cerca de 90kcal.
Em um caos inflamatório, o corpo engata uma marcha lenta e o hipotálamo entra em pane. “Caso isso perdure, pode até ocorrer a morte de neurônios ali, gerando um desequilíbrio definitivo na regulação da saciedade”, diz Velloso.
É um beco sem saída? Bem, não para os agonistas de incretinas, a nova geração de medicações.
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Imitadores de hormônios intestinais: a era das incretinas
Sabe quando sua mãe faz aquele delicioso almoço de domingo, você se empanturra e pensa: “Deixa passar uns minutinhos para a comida descer e eu comer um pouco mais”?
Acredite, há lógica nesse costume — embora ele não seja recomendado. Quem entra em cena nessas horas são as tais incretinas, substâncias que participam do nosso balanço energético. A família abrange dois hormônios intestinais, o GLP-1 e o GIP, liberados quando a pessoa já se alimentou o suficiente, forçando-a a parar de comer.
Mas tem um truque aí no meio: a ação delas dura no máximo dois minutinhos. Isso porque sua função primordial é estimular a produção de outro hormônio, lá no pâncreas, a insulina — é ela que abre as portas das células para a glicose entrar e virar combustível.
Estima-se que dois terços desse estímulo após a refeição provenha das incretinas.
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Desde que esses hormônios foram descobertos, na década de 1980, cientistas querem usá-las como medicações. Ora, eles regulam a glicemia e a saciedade, e, ao contrário da leptina, não são afetadas pela resistência típica da obesidade. No entanto, como investir em algo que tem um efeito tão rápido? Foi aí que um lagarto venenoso dos EUA mudou os rumos da história.
O monstro-de-gila tem uma peculiaridade e tanto: passa longos períodos sem comer. Ele vive a maior parte de sua vida no subsolo, desacelerando o metabolismo para manter constante o suprimento de glicose no sangue.
Em 1990, o endocrinologista americano Jonh Eng ficou intrigado com o animal e pediu para estudar os fluidos do bicho. Não deu outra: havia um peptídeo ali, batizado de exedina-4, que era quimicamente semelhante ao GLP-1 humano. Só que ele tinha uma baita vantagem: durava bem mais no organismo.
Vem daí a inspiração para criar em laboratório aquela que seria uma nova classe de medicamentos para diabetes tipo 2 e obesidade, os agonistas de incretinas.
Semaglutida e tirzepatida são exemplares dessa categoria, que age exatamente igual aos hormônios naturais, mas por muito mais tempo. Com uma única dose aplicada com a caneta, a pessoa se sente mais saciada, o que leva a uma menor ingestão de alimentos.
Mas não existe almoço grátis: administrar doses maiores que as fisiológicas pode causar náuseas, enjoos e outros efeitos colaterais gastrointestinais. Ao menos eles costumam diminuir após dois meses de uso.
Nas pesquisas, esses remédios demonstraram bom perfil de segurança e resultados antes inimagináveis de perda de peso para um fármaco. Obrigado, lagarto!
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Mas se engana quem pensa que o emagrecimento, sozinho, é o único mérito dos novos remédios. “Focar simplesmente no peso é um jeito inadequado de lidar com a obesidade”, dispara o endocrinologista Bruno Geloneze, professor da Unicamp e membro da Sbem.
“Muitas vezes, as pessoas se submetem a tratamentos rápidos e sem acompanhamento e só eliminam a gordura que não faz mal e massa magra”, alerta. A armadilha, comum, não raro desemboca no retorno do peso perdido. Pois o novo olhar para a obesidade é também um olhar mais detalhado sobre quem e onde está a gordura no corpo.
“O melhor tratamento é aquele que diminui a quantidade, a distribuição, a infiltração e a inflamação da gordura”, explica Geloneze. E é aí que encontramos de novo os análogos de incretinas. “Os estudos indicam que eles melhoram essa redistribuição, fazendo as pessoas perderem gordura visceral, a mais prejudicial, inclusive a que envolve o coração”, destaca o pesquisador.
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A chegada do Wegovy abre alas, assim, à possibilidade de intervir na questão gordurosa não apenas do ponto de vista quantitativo mas também no qualitativo.
E o futuro soa ainda mais promissor. Outras dosagens, novas moléculas e combinações de princípios ativos estão no horizonte.
“Contamos com mais de 50 mil pacientes envolvidos em pesquisas, o que nos permite investigar os benefícios potenciais inclusive de doses mais elevadas, caso da semaglutida 7,2 mg”, revela a endocrinologista Marcela Caselato, diretora médica da Novo Nordisk no Brasil.
A farmacêutica dinamarquesa também quer aumentar o porftólio com outra carta na manga, os agonistas de amilina — aqui a ideia é simular uma substância produzida pelo pâncreas que também atua no balanço energético.
Um deles, a cagrilintida, é aliado à semaglutida no medicamento CagriSema, que demonstrou resultados empolgantes nos ensaios clínicos. “Essa combinação poderá ser indicada a pacientes que necessitam de uma perda de peso ainda mais significativa”, prevê Marcela.
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Outra droga, a amicretina, será um duplo agonista, de GLP-1 e amilina. Nos estudos preliminares, o remédio ingerido uma vez por dia levou à redução de 13% do peso corporal em apenas 12 semanas, um resultado superior ao da semaglutida.
“Estamos dedicados a proporcionar opções personalizadas e eficazes, atendendo às necessidades específicas de cada paciente”, afirma a médica.
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Outra grande expectativa gira em torno do lançamento da tirzepatida, o primeiro duplo agonista do mercado, que imita tanto o GLP-1 quanto o GIP.
Por causa da ação reforçada, os resultados do remédio da Eli Lilly são mais proeminentes — não só pelo parâmetro do número da balança. Nas pesquisas clínicas, pacientes que usaram a medicação perderam três vezes mais gordura que massa magra, o que significa que há, de fato, melhora da composição corporal.
O remédio, de nome comercial Mounjaro, já está disponível em vários países e foi aprovado no Brasil para tratar o diabetes tipo 2 — lá fora também há aval para a obesidade em si.
“Ainda não temos uma previsão de chegada por aqui porque queremos lançar apenas quando for possível manter um abastecimento, assim garantindo a continuidade do tratamento”, explica Luiz Magno, diretor médico da Lilly no país.
Ossos do ofício: o sucesso dos remédios pegou de surpresa até gigantes farmacêuticas, que precisam se adaptar e aumentar sua linha de produção a fim de suprir a demanda regional e global.
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Enquanto a tirzepatida não aterrissa nas farmácias, a Lilly investe no desenvolvimento de outras medicações que atuam em frentes simultâneas. E já tem no gatilho o primeiro triplo agonista, a retratutida, que mimetiza GLP-1, GIP e glucagon.
Os experimentos evidenciaram, até o momento, uma perda de 24% do peso corporal em 48 semanas, a maior já relatada na história farmacológica. “E os pacientes ainda nem atingiram o platô, que é quando a perda de peso cessa. Poderemos ter valores ainda mais elevados”, conta Magno.
Remédios contra obesidade disponíveis no Brasil
Esses agonistas de poderes surpreendentes estão ampliando o até então magro arsenal terapêutico para a obesidade.
“A escolha de qual remédio iremos prescrever é absolutamente individual, baseada na idade, no padrão alimentar, nas comorbidades, entre outros critérios”, elucida o endocrinologista Paulo Miranda, presidente da Sbem. “Temos uma gama de medicações com custo e percentual de perda de peso diferentes, e a melhor opção é aquela que vai ajudar a cumprir as metas e sustentá-las”, completa.
No Brasil, a sibutramina é a medicação mais acessível de todas as aprovadas, custando de 15 a 30 reais. Trata-se de uma droga polêmica, e, após um vai e vem, hoje apenas nosso país e Rússia autorizam sua venda.
O comprimido é um inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina, ou seja, impede que esses neurotransmissores sejam retirados do cérebro.
A maior disponibilidade desses mensageiros químicos induz a pessoa a comer menos — estima-se que o remédio gere uma perda de peso média de 5 a 8%.
Seu calcanhar de aquiles, porém, foi apontado por um estudo controverso, publicado em 2010, que acompanhou cerca de 10 mil pessoas acima do peso com diabetes ou doenças cardiovasculares. Ele concluiu que a sibutramina elevava o risco de infarto e derrame. Porém, esse histórico de risco já constava como uma contraindicação em bula.
Devido a essa falha, entidades como Sbem e Abeso lutaram para manter a medicação liberada no país.
“Naquela época, era a única opção farmacológica para obesidade”, recorda Miranda. “Respeitando os perfis de segurança, temos um medicamento eficaz e acessível.” Os principais efeitos adversos são constipação, boca seca e insônia. Por atuar diretamente no sistema nervoso, porém, muita gente mantém o pé atrás…
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Outro veterano nas farmácias é o orlistate, que age de forma totalmente diferente, reduzindo em 30% a absorção da gordura ingerida na dieta.
Provê uma perda de peso na casa dos 8%, porém cobra o preço de episódios de diarreia, flatulência, dor de cabeça… Ingerido junto às refeições, três vezes ao dia, tem gente que não o tolera por causa de tanta gordura nas fezes. Uma caixa sai de 50 a 100 reais.
Mais recente, o comprimido que combina naltrexona (8 mg) com bupropiona (90 mg) foi trazido pela Merck para ajudar pessoas com obesidade e compulsão alimentar. Os princípios ativos do Contrave (eis seu nome nas drogarias) agem em sinergia na cabeça. A naltrexona é um inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina, enquanto a bupropiona é um antagonista do receptor opioide.
Juntas, regulam tanto a fome fisiológica quanto aquela psíquica, potecializando o trabalho dos neurônios pró-saciedade. Proporcionam uma perda de peso de até 10%, e as reações adversas usuais são náuseas, constipação e dor de cabeça. O valor na farmácia já sobe: entre 600 e 800 reais o pacote.
Quando somamos a eles os análogos de GLP-1 diários ou semanais — cujos preços variam de 700 a 2 500 reais a caixa —, alargamos o leque de opções disponíveis hoje no país.
Conhecer os mecanismos de ação dos medicamentos disponíveis é interessante para entender que é possível enfrentar a obesidade por diversas vias no organismo. É o que permite, inclusive, conferir uma abordagem única e personalizada a cada paciente.
Dentro desse conceito, outro caminho para uma perda de peso sustentável não reside em pílulas e canetas de aplicação. Pacientes com índice de massa corporal (IMC) acima de 40 ou mais de 35 com comorbidades associadas (diabetes, pressão alta…) são candidatos à cirurgia bariátrica.
Especialistas não acreditam que os novos remédios vêm substituí-la. “A cirurgia promove um nível de emagrecimento maior e tem melhor relação de custo e benefício, se considerarmos que esses medicamentos são caros e devem ser usados a vida toda”, analisa Antônio Carlos Valezi, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.
A ideia é justamente ter um cardápio terapêutico amplo e assertivo. A operação é uma saída invasiva, porém eficaz, para conter o excesso de peso e suas complicações.
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Presente e futuro: medicações que visam além da perda de peso
Fato: cientistas estão quebrando a cabeça para ir muito além da perda de gordura. E um dos maiores interesses das farmacêuticas — e de médicos e pacientes — é ter à mão uma substância capaz de induzir o ganho de músculos ao mesmo tempo que faz o corpo se despedir da gordura.
“Isso seria um grande avanço principalmente para mulheres após a menopausa, que acumulam mais gordura e correm maior risco de ter sarcopenia e osteoporose”, diz Donna Ryan, professora do Centro de Pesquisa Biomédica Pennington, nos Estados Unidos.
Em sua palestra no ICO, a especialista compartilhou expectativas acerca do bimagrumabe, um anticorpo monoclonal humano que bloqueia a ação da miostatina, proteína que limita o desenvolvimento muscular. A droga, criada pelos laboratórios Versanis e Lilly, alcançou 20% de emagrecimento e aumento de 3,6% na massa magra. Achados promissores.
Outra esperança da indústria está no sistema endocanabinoide, rede cerebral que participa do balanço de energia do organismo.
Como o nome entrega, ele é acionado por componentes que também estão presentes na maconha e, não à toa, os adeptos do uso recreativo relatam a “larica”, uma fome repentina, depois de fumar. Isso acontece porque o THC da cannabis ativa receptores nervosos que estimulam a vontade de comer.
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Interferir farmacologicamente nessa história já foi algo testado. A Sanofi chegou a lançar um remédio, o rimonabanto, em 2006, que agia justamente nesses receptores — à época, ganhou o apelido de pílula antibarriga. “Ele foi ótimo nos estudos, pois resultava na perda de gordura visceral”, lembra Geloneze. Porém, um efeito colateral inesperado levou a um banho de água fria…
O susto veio quando o comprimido já estava no mercado. Uma reação adversa séria foi observada em parte dos pacientes: alterações de humor, depressão e até ideação suicida. Diante disso, o medicamento foi suspenso e retirado das farmácias.
O que os pesquisadores estão tentando fazer agora é preservar o efeito positivo do endocanabinoide sem cair em nenhuma desvantagem. “Se conseguirmos produzir uma molécula grande o suficiente para não atravessar a barreira do cérebro, conseguiremos atuar apenas nos receptores endocanabinoides periféricos, o que já ajudará a diminuir a gordura visceral e a inflamação”, diz Geloneze.
Mas há quem aposte que o negócio seja investir no chamado tecido adiposo marrom (também conhecido como BAT). Apesar do nome, essa reserva de células, bem mais diminuta que o estoque de tecido adiposo branco, queima gordura quando ativada.
Com os anos, nós perdemos uma grande quantidade, mas a ideia dos cientistas é dar um jeito de estimular essa área para que ela induza uma maior perda de gordura.
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Parecem planos demais para tratar uma só condição? Saiba que, tendo em vista a dificuldade que alguns pacientes têm para aderir à terapia ou mesmo tolerar as medicações, a expansão das alternativas seguirá bem-vinda.
Contudo, mesmo com tanta tecnologia, é difícil falar em cura da obesidade. “Quando o hipotálamo, a central da saciedade, está danificado, o tratamento só funciona enquanto o paciente toma o remédio. Se parar, vai voltar a engordar”, esclarece Velloso.
Mas isso não deve ser encarado como um copo meio vazio. Dispor de recursos para controlar essa doença crônica significa proporcionar maior qualidade e expectativa de vida a quem chega ao consultório.
Até porque, como mostram as pesquisas, da mesma forma que perder peso costuma melhorar diabetes, hipertensão ou artrose, os novos remédios da classe das incretinas estão ganhando pontos como soluções para outras enfermidades — de esteatose hepática a apneia do sono.
O duro é saber quem poderá pagar por esses artifícios da biotecnologia. Ainda mais no Brasil, onde sete em cada dez trabalhadores com carteira assinada ganham por mês menos do que o valor de uma única caneta de Wegovy.
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Essa preocupação tira o sossego dos especialistas quando olham para a saúde pública. Hoje, o SUS não oferece nenhum medicamento para tratar a obesidade.
“Não há um protocolo a ser seguido nem profissionais capacitados. No máximo os pacientes recebem uma orientação genérica e passam com nutricionista, o que nem sempre resolve”, afirma a endocrinologista Maria Edna de Melo, professora da Universidade de São Paulo (USP).
O Ministério da Saúde disse à VEJA Saúde que, entre 2020 e 2023, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) analisou três medicamentos e, avaliando critérios como custo-efetividade, foi contrária à inclusão. Os médicos questionam. “É preciso progredir no entendimento da obesidade como doença e reduzir o estigma com o tratamento”, defende Maria Edna. “Não há justificativa para não ter ao menos a sibutramina, de baixo custo, no SUS.”
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Mas esse cenário poderá mudar com uma maior sensibilização do governo e da sociedade e a queda das patentes dos análogos de GLP-1 — a da liraglutida, este ano, e a da semaglutida, em 2026. China e Índia já se preparam para produzir em massa versões “genéricas”.
Ocorre que, diante da pandemia de obesidade, não basta só os remédios evoluírem. É preciso avançar no respeito, na compreensão e na criação de hábitos e ambientes mais saudáveis. Do contrário, o planeta continuará adoecendo.
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