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Por onde anda o coronavírus?

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Consigo me lembrar bem de onde estava quando li um e-mail de um grupo de pesquisadores sobre uma doença respiratória até então misteriosa detectada pela primeira vez na China no final de 2019.

O assunto me chamou a atenção de cara porque envolvia meus “vírus de estimação”, aqueles que há anos venho estudando em laboratório, os coronavírus. Pois um novo integrante da família havia sido descoberto. Então pensei: “Bem, isso é estranho. Parece o surto de Sars que vi surgir em 2002. Vamos acompanhar”.

Alguns meses depois, o que soaria a ficção científica virou realidade globalizada. Estávamos todos isolados em casa, de máscara e só com álcool em gel para nos defender, na mais intensa pandemia desde a gripe espanhola de 1918. Sem vacinas e medicamentos à mão, pelo menos naquele tenso momento.

Todos temos histórias para contar sobre o começo da pandemia de Covid-19, como foi denominada a doença causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2… Sobre quando começamos a utilizar máscaras, a comprar estoques de papel higiênico (sabe-se lá o porquê) e guardar comida. Mas e quando foi que tudo acabou? Acho que isso é um pouco mais difícil de lembrar…

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Bem, só que, na verdade, não acabou! Quer queira, quer não, a pandemia não se encerrou. O que mudou foi que, seguindo os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS), estamos numa fase de transição de uma emergência sanitária para o gerenciamento da doença no longo prazo.

De fato, aqui no Brasil estamos em estabilidade para o número de casos de Covid-19. Mas chegamos ao inverno, o que significa que, em boa parte dos estados, pessoas estão mais aglomeradas, evitam áreas abertas e sua imunidade pode estar mais frágil com a temperatura fria. Tudo de que coronavírus e outros vírus respiratórios precisam.

Estabilidade não quer dizer tranquilidade, pois milhares de novos casos surgem toda semana, com letalidade de 1,8%, de acordo com o Ministério da Saúde — uma taxa não muito diferente da registrada nos anos anteriores.

Mas há um problema fundamental com os números da Covid-19. Se por um lado os testes de farmácia nos permitiram saber se estamos ou não infectados muito rapidamente e decidir, com esse resultado, se seguimos (nota 10!) ou não (carinha triste) as medidas para conter a transmissão, por outro lado esses resultados não são comunicados às autoridades sanitárias e não entram na conta oficial da doença.

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Isso, alerta a OMS, faz com que o número real de casos possa ser até 19 vezes maior do que indicam os dados atuais.

+ Leia também: Radar da saúde: consenso global para enfrentar novas pandemias

Outra consequência é que a vigilância de variantes do Sars-CoV-2 fica enfraquecida, já que amostras não são captadas para serem sequenciadas e nomeadas nos laboratórios. A variante JN.1 é a mais frequente no mundo todo, disseminada por 130 países. Mas outras oito (XBB.1.5, XBB.1.16, EG.5, BA.2.86, JN.1.7, JN.1.18, KP.2 e KP.3) estão querendo ficar famosas também.

Nada disso é uma surpresa, dada a máquina de gerar diversidade que é o coronavírus. E, mesmo assim, para nossa sorte, não surgiu uma mutante mais agressiva nem que escape totalmente das vacinas. Quem tem mesmo fugido das vacinas somos nós!

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Quanto aos efeitos duradouros da infecção, a chamada Covid longa, agora a conhecemos bem melhor. Ela pode ocorrer a partir de quatro semanas após o ataque viral, ou seja, três semanas após a forma aguda e respiratória da Covid-19, com consequências, por vezes fatais, meses ou mesmo anos após a infecção inicial.

Os sintomas da forma longa podem ser neurológicos, cardíacos, respiratórios e até psicológicos. Tudo isso já sem o coronavírus estar presente. Então não é nos doentes crônicos que ele está se escondendo…

Além da nossa espécie, o vírus da Covid-19 já foi encontrado em gatos, cães, gorilas, hamsters e uma infinidade de mamíferos. Porém, em sua maioria absoluta, foram casos terminais, como ruas sem saída para o vírus. Então não é em nossos parentes na árvore da vida que ele está brincando de esconde-esconde.

Claro, com as ferramentas da biotecnologia, acossamos o micróbio. Já temos há algum tempo antivirais eficientes contra o Sars-CoV-2: paxlovid, remdesivir e molnupiravir. Só que, para a alegria do vírus, ainda tem gente botando fé na cloroquina e na ivermectina, de comprovada inutilidade para esse fim.

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O mundo gira e o coronavírus roda nas suas mutações, e um dia vamos ter que trocar os antivirais atuais por novas versões, caso variantes resistentes apareçam. O mesmo vale para as vacinas, nossas melhores armas para deter o vírus — hoje e amanhã.

Depois de sucessivas ondas de Covid-19 em volta da Terra, a doença parece estar entrando em uma órbita estacionária (mas não necessariamente benigna): mais pessoas a cada onda e a cada vacinação tornam-se imunes à doença, podendo até ter uma infecção sem sintomas ou só um leve resfriado.

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E é aí que achamos o Sars-CoV-2. Escondido em pessoas assintomáticas, ele está na sua zona de conforto, onde consegue se replicar e esperar um espirro que seja para conseguir o que ele quer: ser transmitido.

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Quem entrega o esconderijo do vírus da Covid-19 são seus primos coronavírus que provocam resfriados, conhecidos pelas siglas OC43 e 222E. Eles fizeram exatamente isso no passado, e agora são contumazes habitantes de nosso sistema respiratório superior, causando coriza, tosse ou nada perceptível.

Mas nem todos os coronavírus se tornaram bonzinhos: o Mers-CoV, protagonista de um surto no Oriente Médico dez anos depois da crise da Sars, ainda apresenta uma letalidade de até quase 40%.

A questão é que, com a queda da adesão à vacinação, o aumento do número de pessoas suscetíveis e uma menor oferta de tratamento antiviral efetivo, o Sars-CoV-2 poderá se transformar um pouco mais e voltar a aprontar mesmo em quem já era imune, saindo do esconderijo de vez.

Até o momento em que a humanidade terá de correr atrás do prejuízo para botá-lo sob controle, as coisas retornarão à estaca zero e o vírus se esconderá de novo. Diante da perspectiva desse eterno retorno, o melhor é não fechar os olhos. Nunca!

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Leia mais textos da coluna Virosfera.

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