Em seu último relatório, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que uma em cada seis pessoas sofre de infertilidade no planeta. A condição não respeita fronteiras geográfcas e sociais: está presente em todos os países, acentuando-se, por vezes, devido a mudanças culturais e eventos como crises econômicas, guerras e movimentações migratórias.
O direito de planejar e construir uma família é universal e se estende às novas configurações além da sua forma mais tradicional (pai e mãe) — hoje temos famílias monoparentais (mães ou pais solo), homoafetivas (duas mães ou dois pais)… E, evidentemente, há obstáculos à vista quando se depara com a dificuldade natural de ter filhos.
Barreiras que dizem respeito sobretudo ao acesso a métodos como congelamento de óvulos e fertilização in vitro (FIV). O que os números nos mostram?
O Registro Latino-Americano de Reprodução Assistida refete hoje a integração dos dados de mais de 200 clínicas de reprodução humana na América Latina. Ele aponta que o Brasil é o país onde mais se realizam ciclos de tratamento na região, representando 46% dos casos, à frente de outras 16 nações — o México, em segundo lugar, corresponde a 17%.
No levantamento mais recente (2020), foram registrados 87 732 ciclos iniciados no continente no ano, com 14 582 nascimentos resultantes. Esses números contemplam, ainda, embriões congelados, aguardando uma oportunidade de serem implantados.
Todavia, a maior taxa de utilização desses recursos por milhão de habitantes está no Uruguai (558), seguido por Argentina (490) e Panamá
(425). O Brasil vem em sexto lugar (231) e o México em sétimo (164).
Por que a diferença? A resposta a essa pergunta reside em outra questão: como fazer com que todas as pessoas tenham acesso às tecnologias capazes de contornar a infertilidade quando a maior parte delas está postergando a fundação da família?
A discussão se torna ainda mais complexa quando olhamos para nosso país, com pessoas sem alimentação adequada, deixando de se vacinar e sofrendo com mazelas como a tuberculose. Como a reprodução assistida será uma prioridade?
Nosso olhar sobre o tema muda, no entanto, quando levamos em conta que a dificuldade de ter filhos é considerada uma doença do sistema reprodutivo, trazendo sofrimento físico e psíquico, além de impactos demográfcos. É uma questão de saúde pública que requer a atenção das autoridades: o postergamento da maternidade se confirma pelo aumento do número de partos de mulheres acima de 36 anos e a diminuição do número de filhos por mulher.
+Leia também: O papel dos testes genéticos na reprodução assistida
Já se espera o momento em que a população brasileira deixará de crescer. Como sustentar uma nação sem a reposição de jovens? Por tudo isso, precisamos redefinir o debate sobre planejamento familiar, não nos restringindo apenas à contracepção.
Temos de instituir políticas de orientação e preservação da fertilidade, o que passa por viabilizar o acesso a métodos como congelamento de óvulos em centros públicos e privados. Se não pensarmos em nossas próprias soluções, a conta vai chegar.
*Maria do Carmo Borges de Souza é médica especialista em reprodução humana, diretora da Fertipraxis — Centro de Reprodução Humana (RJ) e membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).
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