A tecnologia tem transformado a forma como nos relacionamos, trabalhamos, nos vemos e nos cuidamos — e, inclusive, vem inspirando novos cuidados com a saúde mental e física. Queixas e preocupações acerca do uso excessivo de telas e redes sociais têm chamado cada vez mais a atenção de médicos e pesquisadores, com diversos problemas relacionados a mudanças no humor, na autoestima, no sono e até na alimentação.
Nós, brasileiros, somos um dos povos mais impactados por essas condições. Segundo um levantamento americano, o Brasil é o segundo país com maior tempo de tela do mundo: são cerca de nove horas por dia diante delas, ou seja, 56,6% do tempo que passamos acordados.
“Somos um povo muito curioso e interessado no que está acontecendo ao redor. Também temos tendência a sermos multifocais e uma dificuldade de nos dirigir a um único objetivo. E isso tem tudo a ver com o nosso entusiasmo com todas as inovações tecnológicas”, avalia Carmita Abdo, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Após décadas estudando o comportamento da população, focando principalmente na sexualidade, a pesquisadora decidiu se voltar à compreensão de como a tecnologia tem impactado a saúde dos brasileiros. Por isso, ela coordenou um grupo de psiquiatras que elencou quais as novas condições e sintomas que surgiram por causa do excesso de uso de celulares, computadores, videogames e redes sociais.
“É importante prestarmos atenção nisso, porque transtornos como os de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático podem surgir a partir de vivências virtuais”, alerta Abdo.
O recado faz coro à campanha “#Cancele o estigma, não as pessoas“, criada pelo Laboratório Cristália, que apoiou o levantamento. A proposta da iniciativa é conscientizar as pessoas sobre a importância dos cuidados com a saúde mental e do não julgamento de pacientes com transtornos psiquiátricos. A seguir, entenda como a tecnologia em excesso pode atrapalhar nosso bem-estar.
Importante destacar que esses problemas apontados são fruto de um diálogo entre alguns psiquiatras, com base em suas experiências. Não se trata, portanto, de uma pesquisa científica propriamente. Não há dados sobre a prevalência de cada uma dessas condições e mais estudos são necessários para compreendê-las a fundo. Ainda assim, o levantamento aponta tendências perigosas na saúde mental e relacionadas ao uso de telas.
1. Distúrbio de games
O vício em videogames e jogos eletrônicos é um transtorno mental reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e, desde 2022, integra a última edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (mais conhecida como CID-11).
Entre os principais sinais observados em quem desenvolve essa dependência estão a priorização dos jogos sobre outras atividades; o comprometimento de relações sociais, familiares, profissionais e educacionais por contra do hábito; e a perda de controle sobre o tempo e frequência desprendido nessa atividade. Estima-se que 3% dos gamers se enquadrem nessa condição.
O tratamento deve ser feito com o suporte de psicoterapeutas, psiquiatras e grupos de apoio. Sessões de terapia cognitiva comportamental (TCC) ajudam o paciente a mudar hábitos e lidar com a abstinência dos jogos. Além disso, medicamentos podem ser receitados para diminuir a impulsividade associada à dependência e manejar sintomas que surgem pelo afastamento das telas.
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2. FOMO
Do inglês “fear of missing out“, o FOMO traduz a sensação de medo e angústia de perder oportunidades, atualizações e eventos na vida real ou virtual. “A pessoa sente que não pode ficar de fora, que deve se integrar e estar sempre alinhada com o que está acontecendo”, descreve Abdo.
O uso das redes sociais é um dos principais gatilhos para essa sensação, associada ao excesso de informações divulgadas de forma instantânea (nos feeds e por notificações) e à exposição excessiva do cotidiano alheio, que pode provocar comparações que levam à ansiedade e à noção de que está perdendo oportunidades.
3. JOMO
Se o uso das redes tem gerado tanta insatisfação, ausentar-se dessas plataformas pode ser uma solução para dar um fim a essa torrente de ansiedade e frustração.
Aqueles que têm se desconectado (um pouco ou definitivamente) das redes sociais andam relatando mais momentos de prazer e relaxamento. É o JOMO, sigla para “joy of missing out“: a alegria de perder tendências e atualizações dessas plataformas. O segredo é encontrar atividades prazerosas para aproveitar momentos offline.
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4. Nomofobia
Como você se sentiria se ficasse sem seu celular? A ideia ou situação em si pode causar ansiedade e medo extremo em quem tem a “no-mobile-phone-phobia”, a fobia de ficar sem o aparelho (estar fisicamente longe dele ou desconecta-se por falta de bateria, por exemplo).
Este medo irracional ainda não é reconhecido como uma condição médica, mas pode apresentar reações características de outras fobias, como ansiedade, tremores, suor excessivo, agitação, dificuldade para respirar e taquicardia.
5. Selfitis
O comportamento compulsivo de tirar fotos de si mesmo e de compartilhá-las nas redes sociais tem sido chamado popularmente de selfitis. Ele é objeto de estudo de psicólogos e psiquiatras ao redor do mundo, que tentam encontrar a melhor forma de entender e classificar esse hábito.
Busca por autopromoção e problemas de autoestima podem estar relacionados.
6. Phubbing
O termo reúne duas palavras do inglês: phone (telefone) e snubbing (esnobar). É o ato de ignorar pessoas e situações ao redor por estar com os olhos vidrados no celular.
“Hoje em dia vemos muito esse comportamento durante encontros, o que atrapalha a interação entre as pessoas, sejam familiares, colegas de trabalho ou pretendentes amorosos”, afirma a psiquiatra que coordenou o levantamento.
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7. Vício em tecnologia ou dependência digital
Da mesma forma que os videogames podem causar dependência, o uso abusico de tecnologias como um todo também aumenta o risco de compulsão em algumas pessoas.
O conceito ainda não é reconhecido como um distúrbio mental, mas é caracterizado pelo uso abusivo de dispositivos eletrônicos que prejudica relações, rotina e saúde mental de quem se vê extremamente conectado à tecnologias.
8. Síndrome do texto fantasma
Sabe quando você está conversando com alguém e, de repente, essa pessoa some sem dar resposta ou satisfação? É, você já levou um ghosting...
Como consequência, uma angústia por ter sido ignorado e ficado à espera de uma resposta pode surgir. Essa sensação têm sido chamada de “síndrome do texto fantasma” e gera muita ansiedade e insegurança para quem está em busca de relacionamentos.
9. Cibercondria
A hipocondria digital se manifesta pelo comportamento de pesquisar quaisquer sintomas na internet em busca de diagnósticos. Algumas pessoas podem passar horas fazendo isso.
O hábito leva a ansiedade e interpretações equivocadas sobre saúde. A crença de possuir alguma doença séria e rara, sem ter sintomas para tal, pode ser tratada com psicoterapia, principalmente pela abordagem cognitivo-comportamental (TCC).
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10. Fadiga de decisão digital
É comum que fiquemos sobrecarregados com as demandas (muitas vezes irrelevantes e desnecessárias) que surgem ao pegarmos o celular ou abrirmos o notebook. São centenas de notificações, curtidas e compartilhamentos diários que exigem nossa atenção e apreço — e isso está prejudicando a nossa capacidade de tomar decisões.
A fadiga da decisão digital é fruto do cansaço mental de ter de, constantemente, tomar decisões sobre como e quando interagir nas redes, entre outras preocupações que cercam o uso de tecnologias.
11. Náusea digital
O excesso de informações e estímulos no ambiente digital pode até causar desorientação ou vertigem. “É um efeito sem maiores repercussões, que pode surgir após passar um longo tempo de exposição a telas“, explica Carmita Abdo. “A náusea digital está, inclusive, associada à cibercondria, reafirmando diagnósticos que a pessoa pensa ter.”
12. Toque fantasma
São tantos estímulos que a nossa mente até estranha quando não há nada. Então, bate aquela impressão de estar ouvindo ou sentindo o celular vibrando ou tocando.
Esse é o toque fantasma, mais um sinal de que o apego à tecnologia está passando dos limites.
13. Depressão do Facebook
Apesar do nome, esse estado depressivo não está apenas ligado à rede social criada pelo bilionário Mark Zuckerberg. O termo se refere ao desânimo profundo causado por interações nas redes sociais e que se reflete em ansiedade social e preferência pelo isolamento.
Frequentemente, o uso excessivo de telas tem sido associado a casos de depressão entre as gerações mais jovens. Elas são também as maiores vítimas de ciberbullying.
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