Não é de hoje que todo mundo dá pitaco sobre o que a gente come.
Uma receitinha aqui, um conselho ali, uma contraindicação acolá. É um hábito natural — afinal, o ser humano tem fome de alimento e informação.
No entanto, com a popularização das redes sociais e a onipresença delas na vida dos cidadãos, o papo de elevador, corredor ou boteco ganhou um palco iluminado. E, com frequência, o que era uma simples impressão pessoal se torna uma verdade absoluta capaz de influenciar milhões.
É a era do tribunal da comida na internet, em que alguns alimentos são condenados como os arqui-inimigos da saúde.
“O autorrelato nesse ambiente ganhou uma força enorme. Qualquer sensação ruim se torna uma intolerância ou uma alergia baseada no que a pessoa vê entre os posts compartilhados”, analisa a nutricionista Josefina Bressan, professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. “Só que na maioria das vezes isso não procede.”
O buraco, na realidade, é mais embaixo: falta ciência em muitos causos e dicas divulgados pelos influencers por acaso ou profissão.
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O fenômeno tampouco é algo novo. Informações desencontradas sobre alimentação já conquistavam holofote antes de a internet estourar. Dietas malucas, produtos miraculosos (muitos deles ultraprocessados) e sacadas de artistas de Hollywood sempre fizeram sucesso.
Porém, hoje em dia, o poder do “comigo funcionou” alcançou outro patamar com Instagram, TikTok e companhia. Pior: há quem se apodere de um discurso sofisticado, mas sem pé nas evidências, para dobrar o número de seguidores e lucrar com soluções fáceis, como eliminar um único ingrediente da dieta.
“Após a pandemia, cresceu a preocupação das pessoas com a saudabilidade, e bastante gente passou a acreditar em afirmações de influencers que soam científicas, mas não são”, afirma a nutricionista Erika Carvalho, presidente do Conselho Federal de Nutrição (CFN).
É assim que viralizam teorias, postagens e vídeos ensinando que certos alimentos inflamam as células ou que shots matinais turbinam a imunidade. Nessa seara virtual, é comum ouvir termos técnicos fora de contexto e construções que buscam dar seriedade à proposta — X é bom porque “melhora o metabolismo das mitocôndrias”, Y é ruim “segundo um estudo de Harvard”.
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Na infodemia — a epidemia de informações em circulação, muitas delas falsas —, realmente podemos ficar perdidos. “Combater a desinformação é um grande desafio, porque ganham mais projeção conteúdos sobre alimentos proibidos, dietas milagrosas e terrorismo nutricional, que colocam um alimento como causador de mortes e doenças”, alega Erika.
“Mas o que vai dar saúde ou comprometê-la é o estilo de vida como um todo, não um alimento isolado”, ressalta.
Apesar do esforço dos conselhos e sociedades científicas — e inclusive dos estudiosos que usam as redes para refutar mitos —, fato é que, no caldeirão da internet, fica difícil saber em quem acreditar, já que muitos profissionais também propagam ideias sem fundamento a fim de arrecadar fãs e clientela.
“Tem aqueles que diagnosticam todo mundo com intolerância à lactose e doença celíaca”, exemplifica Josefina, ela mesma rotulada com essas condições, mesmo tomando leite no café da manhã desde sempre e nunca sentindo nada de estranho.
Em geral, quatro alimentos protagonizam as polêmicas e condenações no tribunal digital: trigo (incluindo o pão e o glúten), leite, ovo e açúcar. Que tal descobrir se eles merecem ou não esse julgamento?
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