A prevalência da obesidade aumentou em todo o mundo nos últimos 50 anos, atingindo níveis pandêmicos. Em 2020, quase 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo viviam com obesidade. A Federação Mundial de Obesidade estima que até 2035 esse número continuará a subir.
Mais preocupante é o número de crianças e adolescentes com obesidade, pois isso provavelmente continuará na idade adulta. Enquanto em 1975 menos de 1% da população de 5 a 19 anos era afetada pela obesidade, esse número agora é de 8 a 10% – e prevê-se que chegue a 18-20% até 2035.
A obesidade é uma epidemia com múltiplas causas complexas, e não se deve simplesmente à falta de força de vontade de um indivíduo.
Vamos mergulhar na origem da obesidade de uma forma criativa: Imagine que seu corpo é uma casa com um termostato interno. Mas, em vez de controlar a temperatura, esse termostato regula o peso. Quando você come, seu corpo processa os alimentos e usa a energia que precisa para funcionar. O que sobra é armazenado como reserva de energia em lugares como o tecido adiposo, que é como um depósito de gordura.
Agora, pense nesse termostato interno como um pouco teimoso. Ele está programado para manter um certo peso – é como se fosse um peso ideal para sua altura e estrutura corporal. Mas, às vezes, devido a diversos fatores, esse termostato pode ficar desregulado.
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Por exemplo, se você consome mais calorias do que queima, como ao comer muitos alimentos ricos em gordura e açúcar, seu corpo armazena o excesso de calorias nas células de gordura. Com o tempo, essas células de gordura se expandem, e quando elas ficam muito cheias, seu corpo produz mais células de gordura para armazenar o excesso.
Agora, imagine que seu termostato interno, ao invés de ajustar a temperatura automaticamente, começa a pensar que esse novo peso maior é o normal. Então, mesmo se você tentar fazer dieta e exercício para perder peso, seu corpo luta contra você, resistindo à perda de peso e fazendo você se sentir com fome o tempo todo.
Além disso, há toda uma orquestra de hormônios que desempenham papéis importantes nesse processo. Resumindo, a fisiopatologia da obesidade é uma dança complicada entre seus genes, seu ambiente e seu próprio corpo, onde o equilíbrio entre comer, gastar energia e armazenar gordura pode ser facilmente perturbado, levando ao acúmulo de peso e dificuldade em perdê-lo.
O principal método utilizado para diagnosticar a obesidade é o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC é uma medida que relaciona o peso e a altura de uma pessoa e é calculado dividindo o peso (em quilogramas) pela altura (em metros) ao quadrado.
Depois de calcular o IMC, ele é comparado com faixas de valores estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras instituições de saúde. As faixas geralmente são divididas em categorias, como:
- Baixo peso: IMC menor que 18,5
- Peso normal: entre 18,5 e 24,9
- Sobrepeso: entre 25 e 29,9
- Obesidade grau I: entre 30 e 34,9
- Obesidade grau II: entre 35 e 39,9
- Obesidade grau III (mórbida): igual ou maior que 40
Embora o IMC seja útil para estimar o grau de adiposidade em uma população, ele tem limitações significativas quando se trata de diagnosticar individualmente a obesidade. Uma das principais limitações é que ele não distingue entre massa gorda e massa magra.
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Portanto, uma pessoa com uma grande quantidade de massa muscular pode ter um IMC alto e ser classificada como obesa, mesmo que tenha uma baixa porcentagem de gordura corporal.
Além disso, o IMC não leva em consideração a distribuição de gordura corporal, que é um fator importante na avaliação do risco de complicações relacionadas à obesidade. A gordura visceral, que se acumula ao redor dos órgãos internos, está mais associada a problemas de saúde do que a gordura subcutânea, que se acumula logo abaixo da pele.
Ou seja, duas pessoas com o mesmo IMC podem ter distribuições diferentes de gordura corporal e, consequentemente, riscos de saúde diferentes.
Uma abordagem abrangente para avaliar a obesidade inclui medidas adicionais, como circunferência da cintura, relação cintura-quadril e métodos de avaliação da composição corporal, como a bioimpedância, hoje encontrada em muitos consultórios médicos.
A obesidade está diretamente ligada a pelo menos 38 problemas de saúde não transmissíveis, incluindo diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, doença renal crônica, doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica, osteoartrite, depressão e 13 tipos de câncer. Essas condições estão frequentemente interligadas e com riscos especialmente alto para pessoas com obesidade mais grave.
Mas o que está nos impedindo de tratar efetivamente a obesidade como uma doença crônica? Um motivo é certamente o custo; o outro é a ideologia de que a origem da obesidade está em grande parte sob o controle de uma pessoa e requer apenas força de vontade para ser superada.
A visão tradicional de que a obesidade se deve à falta de responsabilidade individual precisa ser dissipada, pois não leva em consideração muitos fatores fisiológicos, biológicos, genéticos, sociais, culturais e ambientais. Essa visão imprecisa e simplista também é estigmatizante, levando à discriminação.
Por exemplo: nosso ambiente está se tornando cada vez mais obesogênico — em outras palavras, cada vez mais ele facilita a obesidade. A publicidade e o marketing influenciaram normas sociais e culturais em torno de alimentos e bebidas em muitas sociedades, incluindo a normalização do consumo de fast-food e a promoção de alimentos não saudáveis. Avanços tecnológicos e digitais levaram a mais empregos sedentários e passatempos que não incluem atividade física.
Intervenções que visam apoiar os indivíduos a mudar sua dieta e aumentar a atividade física tendem a seguir um padrão de perda de peso, platô e depois a temida recuperação progressiva do peso. Uma razão para isso é que mudanças hormonais que influenciam a regulação do apetite ocorrem no corpo como um mecanismo de defesa, tornando mais difícil a perda de peso adicional.
Encorajar as pessoas com obesidade a focar em fazer mudanças sustentáveis e positivas na qualidade de sua dieta e atividade física, enquanto buscam orientação e apoio de profissionais de saúde, pode ser mais benéfico e motivador do que focar apenas na perda de peso como indicador de “sucesso” ou “fracasso”.
Além disso, benefícios a longo prazo requerem atenção a longo prazo, então pessoas com obesidade que estão fazendo tais mudanças de estilo de vida necessitam de apoio sustentado dos profissionais de saúde.
Para avançar nos esforços de prevenção primária da obesidade, a Unicef defende uma abordagem integrada baseada em:
- Promoção de dietas saudáveis para crianças e adolescentes por meio de mensagens e educação claras, além de acesso a alimentos saudáveis na escola, em casa e na comunidade.
- Regulamentação da indústria de alimentos e bebidas para restringir a publicidade de itens não saudáveis para crianças e exigir rotulagem clara na frente da embalagem e tributação do açúcar.
- Promoção de atividade física no currículo escolar, bem como melhor design urbano e infraestrutura de transporte.
O impacto da obesidade na saúde individual e na sociedade como um todo é significativo, refletindo-se em custos econômicos substanciais e em uma carga crescente sobre os sistemas de saúde.
Para enfrentar eficazmente a obesidade, é necessário um compromisso conjunto de governos, instituições de saúde, setores da indústria alimentícia, organizações não governamentais e a sociedade em geral. Estratégias abrangentes e baseadas em evidências, que vão desde políticas públicas até intervenções comunitárias, são essenciais para prevenir e gerenciar a obesidade de forma eficaz.
Ao reconhecer a obesidade como uma questão de saúde pública e não apenas como uma falha individual, podemos criar um ambiente mais inclusivo e capacitador para indivíduos com obesidade.
*Filippo Pedrinola é head nacional na Endocrinologia da Brazil Health e médico Endocrinologista no Hospital Israelita Albert Einstein
(Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health)