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Vacina contra câncer e mais novas do maior congresso de oncologia do mundo

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Terminou no último dia 4 em Chicago, nos Estados Unidos, o encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês). Dezenas de milhares de oncologistas se reuniram para discutir avanços em diversos tipos de câncer.

Este ano, o congresso teve como mote “A arte e a ciência do cuidado do câncer: do conforto à cura”. E muitos médicos brasileiros marcaram presença no evento, inclusive apresentando pesquisas inovadoras feitas em solo nacional. Como esta, que mostrou uma nova estratégia para tratar câncer de pênis.

Entre promessas para o futuro e achados que podem influenciar desde já a conduta nos consultórios médicos, VEJA SAÚDE reuniu alguns destaques do congresso com a ajuda de profissionais que estiveram por lá. Confira a seguir:

Vacinas contra o câncer

Depois de despontarem na prevenção da Covid-19, as vacinas de RNA mensageiro estão sendo amplamente estudadas no tratamento de tumores. O raciocínio é semelhante: apresentar ao sistema imune do indivíduo não um vírus, mas seu próprio tumor.

Um dos trabalhos apresentados na Asco abordou os efeitos da vacina mRNA-4157, da farmacêutica Moderna, feita de maneira personalizada, com informações genéticas de cada pessoa, em voluntários com melanoma avançado, o tipo mais agressivo e fatal de câncer de pele.

Os participantes foram divididos em dois times: metade recebeu o produto customizado mais uma imunoterapia, o pembrolizumabe, metade tomou apenas o pembrolizumabe. Em três anos, 75% dos pacientes do primeiro grupo estavam livres do câncer, contra 56% do segundo time.

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“É uma das primeiras vacinas terapêuticas a mostrar resultados na fase 3 das pesquisas [a última pré-aprovação]”, comenta o oncologista Bernardo Garicoche. “Mas ainda precisamos descobrir quem de fato se beneficiaria da estratégia, visto que hoje já curamos parte destes pacientes com a imunoterapia”, complementa.

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Também foram apresentadas no congresso avanços em outras vacinas personalizadas, contra recidivas do câncer de intestino e de mama. “Esse cenário indica que podemos ter vacinas contra vários outros tumores, é muito bom ver que já temos a capacidade técnica para isso”, conclui Garicoche.

Ozempic para reduzir o risco de câncer?

Pesquisas discutidas no encontro exploraram o papel dos agonistas de GLP-1, como o Ozempic, na prevenção da doença.

Uma, da Universidade Case Western Reserv, de Ohio, Estados Unidos, mostrou que indivíduos tomando medicamentos da categoria tinham um risco 19% menor de desenvolver tumores ligados ao excesso de peso, como os de mama, ovário, intestino e pâncreas.

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Outras duas apontaram uma possível redução do risco de recidiva do câncer de mama depois do tratamento.

Os achados abrem uma nova avenida para essas drogas, que estão ganhando manchetes mundo afora, mas é preciso cautela na interpretação dos dados. Em primeiro lugar, são estudos que avaliaram um curto período de tempo, sendo que o câncer leva anos para se desenvolver.

Em segundo lugar, os trabalhos são retrospectivos, ou seja, analisam dados de ensaios que buscavam outras coisas. “Precisamos de mais estudos, desenhados para isso, que acompanhem os pacientes por mais tempo. Vimos sinais de fumaça, agora precisamos saber se há fogo”, resume o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, da Universidade de São Paulo (USP).

E vale lembrar que ainda paira no ar uma suspeita se essa categoria aumentaria o risco de câncer, uma hipótese que não se confirmou em um estudo divulgado pela própria Asco, mas era uma pesquisa com apenas quatro anos de seguimento. A ver.

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Conforto e assistência à distância

Na era da tecnologia, trabalhos confirmaram benefícios do atendimento remoto à pacientes com câncer.

Um estudo brasileiro, liderado pelo oncologista Paulo Bergerot, da Oncoclínicas apresentou um programa de atividade física supervisionada, voltado para idosos com câncer. Os participantes relataram melhora na dor, fadiga e náusea, além de redução dos sintomas de depressão e ansiedade.

Outra pesquisa, conduzida pelo médico Joseph Greer, do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School, comparou os efeitos de consultas de cuidados paliativos à distância e presenciais em pacientes com câncer de pulmão avançado.

As sessões por vídeo abordaram sintomas físicos e psicológicos, discussões sobre o tratamento e preferências de cuidado. Os efeitos positivos foram semelhantes nos dois grupos.

Sobre o câncer de pulmão, aliás, vale dizer que ele foi um dos grandes destaques do congresso, dominando as sessões da plenária, a parte mais importante do encontro. VEJA fez uma matéria especial sobre o assunto, clique aqui para ler.

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Câncer de mama

Foram várias as novidades no tratamento do tumor mais frequente nas mulheres. Um dos destaques foi o estudo Destiny DB06, com a droga trastuzumabe deruxtecan.

Aprovado há dois anos no Brasil e utilizada contra o câncer de mama com a mutação HER2 (presente em 15% dos casos) metastático ou não operável, o medicamento faz parte de uma classe inovadora, dos anticorpos conjugados à droga. A estratégia envolve uma molécula que se liga às células cancerígenas e entrega lá dentro um medicamento que as destrói.

Na edição passada do encontro da Asco, cientistas demonstraram que a tática funcionava mesmo em pacientes que tinham níveis baixos de células HER2. Agora, a nova etapa de estudos mostrou que mesmo mulheres com níveis ultra baixos de HER2 se beneficiam do tratamento.

O tempo livre de progressão da doença passou de 8 para 13 meses, uma esperança em casos onde a sobrevida das pacientes é baixa e as opções de tratamento limitadas. “É uma eficácia bem maior do que a das quimioterapias, mostrando que essa droga pode inclusive, no futuro, entrar mais cedo no tratamento”, comenta o oncologista Gilberto Amorim, da Rede D’Or.

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Amorim destaca ainda que o congresso trouxe novos trabalhos voltados à população negra, que é mais afetada pelo câncer de mama e ainda tem mais efeitos colaterais do tratamento, como a neuropatia periférica. Um deles descobriu que mulheres negras podem sofrer menos com esse efeito adverso se usarem um tipo específico de quimioterapia.

“Temos percebido nos últimos anos que a disparidade não é só uma questão de acesso, mas que a própria fisiologia da doença nas mulheres negras é diferente”, discorre o médico. “A boa notícia é que elas estão sendo cada vez mais incluída em estudos e inclusive sendo protagonistas de estudos exclusivos para elas”.

Mais possibilidades para o câncer de próstata

O segundo tipo de câncer mais frequente em homens representa um desafio para os médicos. A maioria deles evolui lentamente e não necessita de tratamento. Só que uma parcela dos casos é agressiva e pode colocar a vida em risco. A dificuldade é entender em qual dessas situações cada paciente se encaixa.

Na Asco, pesquisadores apresentaram dados de um trabalho que avaliou, por meio da biópsia líquida, o DNA tumoral circulante dos pacientes em busca de marcadores genéticos que determinavam a agressividade do câncer. Os resultados positivos indicam que essa estratégia pode ajudar a classificar com mais precisão o prognóstico de cada caso.

“No futuro, vamos usar muito a genética para direcionar melhor o tratamento”, comenta Oren Smaletz, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Um exame parecido pode ainda ser útil na prevenção da doença. Hoje, também é controversa a aplicação do PSA, teste que mede um antígeno da próstata que pode estar aumentado não só em casos de câncer, e os falsos positivos levam a intervenções desnecessárias no homem.

+ Leia também: Novas evidências a favor da dosagem do PSA para flagrar câncer de próstata

Não fazê-lo, por outro lado, traz o risco de deixar passar casos de câncer que poderiam ser curados antes de ameaçarem a vida do homem.
Pois um estudo inglês usou amostras de sangue de 500 pacientes para determinar o risco genético de desenvolver a doença. “Os pesquisadores conseguiram encontrar com precisão quem tinha propensão maior a ter tumores mais agressivos, mostrando outra possibilidade promissora para a biópsia líquida, direcionar melhor a dosagem do PSA”, destaca Smaletz.

Por fim, um trabalho apresentado pela farmacêutica Novartis investigou o impacto de começar mais cedo o tratamento com uma combinação de lutécio e PSMA, duas moléculas que também funcionam no esquema chave-fechadura, como os anticorpos ligados à droga, mas dessa vez entregando radiação diretamente na célula tumoral.

Imagine uma radioterapia teleguiada, sem os danos causados pelo tratamento tradicional. Esse tipo de terapia é considerado inovador e, na Asco, demonstrou que pode ser utilizado inclusive mais cedo, antes da quimioterapia, em casos de câncer de próstata com metástase resistentes ao tratamento hormonal clássico, de bloqueio da testosterona.

Achados prévios já haviam sido divulgados no ano passado, mas agora se confirmou uma redução de 57% no risco de progressão da doença nesse cenário mais grave. E uma boa notícia: os pacientes relataram uma melhor qualidade de vida com essa abordagem.

Imunoterapia em evidência

Além das várias novidades no câncer de pulmão, dois estudos confirmaram o poder dessa técnica, que ensina o sistema imune a reconhecer e atacar os tumores.

Um deles demonstrou seu poder de fogo contra o melanoma. A categoria já revolucionou o tratamento da doença, oferecendo a chance de cura em casos sem nenhuma opção de tratamento.

Mas a primeira indicação foi depois da cirurgia, a abordagem mais clássica. Agora, uma pesquisa com 423 indivíduos testou a imunoterapia neoadjuvante, com dois remédios antes do bisturi. E o esquema fez os tumores desaparecerem por ao menos 12 meses em 83% dos pacientes, contra uma taxa de 52% de vida livre da doença no grupo que usou o esquema pós-operação.

Outro trabalho, usando uma lógica parecida, aponta uma vantagem em usar o imunoterápico pembrolizumabe antes da cirurgia de câncer de intestino para pacientes com uma mutação específica, a MMR. Nessa situação, que atinge até 15% dos casos deste tipo de tumor, a estratégia se mostrou 10 vezes mais potente do que a quimioterapia pré-operatória.

CAR-T

As terapias que modificam as células T, do sistema imunológico, para transformá-las em remédios anticâncer estão revolucionando o tratamento de tumores hematológicos, como os mielomas e leucemias.

No congresso da Asco, chamou a atenção um estudo que mostra uma nova indicação dessa técnica, para a síndrome de Richter, um tipo agressivo de linfoma. “É uma situação rara, mas muito grave, com perspectiva de 3 a 12 meses de vida para o paciente”, aponta Nelson Hamerschlak, hematologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

A pesquisa discutida no evento testou um tipo de CAR-T, o liso-cel, em 30 indivíduos nessa situação. “O resultado foi impressionante, uma taxa de resposta de 76%, sendo que 54% dos pacientes tiveram uma sobrevida de 12 meses livres de progressão da doença”, comenta o médico.

Estudos preliminares mostraram ainda possibilidades de tratamento de tumores sólidos com o CAR-T, algo que hoje não é possível, e com uma estratégia semelhante ao CAR-T, mas usando células diferentes, as natural killers, ou NK.

Esse segundo caso envolve dados bem iniciais, em testes feitos células isoladas, mas é uma novidade animadora porque essas células, diferentes das células T, não precisam ser do próprio indivíduo, o que facilita a produção de um medicamento feito a partir delas no futuro.

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Idosos e tratamentos agressivos

Hamerslack destacou ainda outro estudo interessante, sobre o tratamento da leucemia mieloide aguda, a mais prevalente em idosos. “O trabalho em questão avaliou os idosos não por sua idade, mas pela sua funcionalidade. Ou seja, no quão frágeis ou saudáveis eles eram”, explica.

A pesquisa contou com mais de 5 mil idosos no Canadá, diagnosticados com esse tipo de leucemia. Eles foram divididos em tratamento intensivo ou não intensivo, e classificados de acordo com sua condição de saúde. Os idosos mais saudáveis tiveram uma sobrevida global média de 22 meses com os tratamentos mais intenso, o dobro do resultado dos mais frágeis.

Esse estudo reforça o que já tem sido visto na prática médica. “Com o aumento da expectativa de vida, hoje, fazemos transplantes em indivíduos já chegando nos 80 anos, algo impensável antes, desde que eles estejam saudáveis”, conclui o hematologista.

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